10 Fev 2017 22:25
A noção de cinema psicológico caíu em desuso. Em boa verdade, em muitos casos passou a ser entendida como uma designação dos produtos que se submetem a estereótipos televisivos, reduzindo a caracterização das personagens a "modelos" mais ou menos simplistas, quase sempre moralistas. Em todo o caso, vale a pena lembrar que a vida interior das personagens está longe de ser um terreno indiferente na longa e contrastada história dos filmes.
Daí que se saúde o regresso às salas escuras de "A Mulher Canhota" (1978), do alemão Peter Handke, justamente um exemplo admirável de um cinema que encara as derivas psicológicas, não como uma "ilustração" de comportamentos, antes como uma deambulação pelos labirintos insondáveis do comportamento humano — foi a estreia na realização de Handke, adaptando o seu romance homónimo, editado dois anos antes.
A história do par interpretado por Edith Clever e Bruno Ganz pode definir-se como um melodrama clássico virado do avesso. A partir do momento em que acontece a sua separação, Handke desloca o seu filme para a paisagem feminina, construindo uma rede de factos, palavras e silêncios que nos toca pelo seu misto de transparência e mistério. E escusado será sublinhar que o trabalho dos actores, sobretudo a admirável Clever, é essencial para os resultados (recorde-se que, dois anos antes, ela protagonizara "A Marquese d’O", sob a direcção de Eric Rohmer).