joao lopes
23 Fev 2017 19:29
Bem sabemos que, ao longo das últimas décadas, as sequelas se tornaram uma das pragas da produção cinematográfica. Mesmo não esquecendo algumas boas "continuações" que se fizeram, têm predominado os filmes que procuram rentabilizar grandes sucessos sem outro conceito que vá para além da banal imitação do original… Sentimos, por isso, algum pessimismo quando o realizador inglês Danny Boyle anunciou uma sequela do seu "Trainspotting" (1996).
Que sentido poderia fazer recuperar as personagens interpretadas por Ewan McGregor, Ewen Bremner, Jonny Lee Miller e Robert Carlyle, figuras erráticas de uma Edimburgo marcada pela toxicodependência e pela decomposição dos laços sociais? Pois bem, o mínimo que se pode dizer da sequela — com um insólito título de código: "T2: Trainspotting" — é que consegue renovar o espírito cáustico do primeiro filme sem cair em facilidades nostálgicas.
Nostalgia, de alguma maneira, existe, quanto mais não seja porque o quarteto de (anti-)heróis surge marcado pelas memórias contraditórias das suas aventuras e desventuras de há vinte anos. Desde os dinheiros que não foram divididos de acordo com o combinado, até à contínua desagregação dos laços familiares, passando pelo terrível assombramento das drogas, este é um mundo febril em que as personagens (e nós com eles) reconhecem que não é possível parar o tempo…
Preservando um humor cáustico, confirmando também a sua agilidade na gestão das imagens e dos sons (com inevitável destaque para as muitas canções que povoam a banda sonora), Danny Boyle contorna qualquer facilidade copista, relançando uma essencial aliança estética do seu trabalho: por um lado, as marcas cruéis de um realismo cujas raízes estão, obviamente, na grande tradição britânica; por outro, uma forma de encenação das canções fortemente devedora da estética dos telediscos — sem que os seus assumidos artifícios anulem a intensidade dos sinais realistas.
Tal como aconteceu com "Trainspotting", a banda sonora de "T2: Trainspotting" constitui um caso invulgar de confluência de magníficas canções, estando representados, entre outros, Blondie, The Clash, The Prodigy, Queen, Run–D.M.C., Underworld e Young Fathers. "Lust for Life", de Iggy Pop, surge em ambos os filmes — eis o respectivo teledisco produzido em 1996, com imagens de "Trainspotting".