Kacey Mottet Klein e Sandrine Kiberlain: um cinema de de todas as intimidades


joao lopes
29 Out 2017 16:59

Quem preserva, hoje em dia, a herança de Jean Renoir (1894-1979)? Haverá, por certo, diversas respostas, desde logo no interior do cinema francês. Em todo o caso, será difícil encontrar alguém que, como André Téchiné, mantenha um trabalho, ao mesmo tempo tão coerente e tão diversificado, capaz de herdar e transfigurar a pedagogia humanista do autor de "A Regra do Jogo". Para Téchiné, como para Renoir, a natureza humana é um elemento que importa discutir para além da sua… naturalidade.

Obviamente não por acaso, desde o começo da sua obra, em finais da década de 60, passando pela referência exemplar de "Os Juncos Silvestres" (1994), Téchiné tem-se interessado pelas convulsões específicas da adolescência. Com uma reserva que importa lembrar: não se trata de promover a "juventude" à condição de "tema", mas sim de encenar personagens cuja idade desencadeia uma interrogação de identidade(s) e um processo de (des)conhecimento dos outros — o belíssimo "Quando Se Tem 17 Anos" (2016), agora lançado nas salas portuguesas, constitui mais um caso modelar do seu labor criativo.

 

Tudo se passa entre Damien e Thomas — interpretados, respectivamente, pelos magníficos Kacey Mottet Klein e Corentin Fila —, alunos de uma mesma escola que tudo parece separar, excepto uma intensa atracção. Mais do que a descoberta da sexualidade, Téchiné filma o cruzamento labiríntico das emoções mais íntimas com as regras de organização social (sendo, por isso mesmo, tão importante a personagem da mãe de Damien, interpretada por Sandrine Kiberlain) — no limite, apetece dizer que este é um cinema da "sociologia" do desejo.

Evitemos, porém, qualquer generalização fácil, de tipo telenovelesco. Téchiné não é um cineasta dependente de qualquer formatação televisiva, sendo totalmente avesso às definições maniqueístas das personagens (tanto no plano estritamente social como na dimensão sexual). "Quando Se Tem 17 Anos" é mais uma proeza excepcional de tal visão, para mais preservando essa aparente ligeireza, muito renoiriana, que faz com que os sobressaltos da ficção pareçam evoluir através de uma descrição de tipo documental — grande cinema para descobrir nas salas portuguesas.

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