joao lopes
7 Dez 2017 19:12
Como figurar um ser realmente diferente, fisicamente diferente, sem ceder a nenhum dos preconceitos mais correntes? Como fazê-lo sem promover uma espécie de "inocência" abstracta, supostamente associada à diferença? Como encenar essa diferença sem atrair uma qualquer noção, "positiva" ou "negativa", de monstruosidade?
Lançado entre nós com o subtítulo "Encantador", o filme "Wonder" contém uma bela resposta a tais interrogações. Nele encontramos um menino realmente diferente: Auggie (o magnífico Jacob Tremblay que conhecemos de "Quarto", de 2014, contracenando com Brie Larson) nasceu com disostose mandibulofacial, doença que deforma o crânio e o rosto, obrigando a uma série de intervenções cirúrgicas, não apenas por razões estéticas, mas para repor o bom funcionamento de vários órgãos, incluindo os olhos e a boca.
Auggie viveu os primeiros anos da sua existência protegido no espaço familiar, com a própria mãe (Julia Roberts, numa composição que lhe poderá trazer mais uma nomeação para um Oscar) a assumir as funções de sua professora — trata-se, agora, de entrar na escola oficial, com todos os confrontos, nem sempre muito acolhedores, que tal implica… Pois bem, o filme sabe contar/encenar tudo isso através de uma depuração formal e emocional em que aquilo que mais conta são as singularidades de cada personagem — não apenas de Auggie, mas de todos os que com ele se relacionam.
Estamos perante um modelo de grande e sedutora austeridade clássica que o realizador Stephen Chbosky trabalha com invulgar precisão, celebrando um cinema de facto "character driven" — são as personagens (neste caso, sobretudo, Auggie) que motivam as direcções e directrizes da narrativa, de acordo com uma lógica que leva o espectador a compreender os pontos de vista dessas personagens. A esse propósito, convém referir que Chbosky é também autor do argumento, com a colaboração de R. J. Palacio, autora do romance em que o filme se baseia.