joao lopes
22 Fev 2018 23:24
Em 1994, quando Nancy Kerrigan, rival de Tonya Harding na patinagem no gelo, foi agredida, Tonya foi ou não cúmplice do que aconteceu?… Não é verdade que a agressão foi montada pelo ex-marido de Tonya?… E porque é que ela nunca escondeu o seu menosprezo pela adversária?…
Eis algumas perguntas que podem definir um enigma policial, mas que não bastam para resumir um filme como "Eu, Tonya", centrado, precisamente, naquela ocorrência. Isto porque estamos perante uma narrativa que, mais do que uma divisão absoluta e definitiva entre "inocentes" e "culpados", procura ser fiel à infinita complexidade dos seres humanos.
Dito de outro modo: "Eu, Tonya" é uma ficção elaborada a partir de factos verídicos, mas com engenho e arte para conservar uma dimensão insolitamente documental. Aliás, o filme dirigido por Craig Gillespie (foi ele que, em 2007, assinou o também insólito e desconcertante "Lars e o Verdadeiro Amor", com Ryan Gosling) organiza-se mesmo como uma hipotética investigação em que, pontualmente, as personagens dão o seu testemunho directamente para a câmara.
Estamos perante (mais) um sintomático objecto marcado por esse desejo de realismo hoje em dia transversal a muitas cinematografias — para nos ficarmos por um exemplo óbvio, recordemos o também recentemente estreado "15:17 Destino Paris", de Clint Eastwood.
Como é óbvio, não tem nada de acidental que tudo isso aconteça através de uma subtil direcção de actores, parecendo certo que Allison Janey, no papel da mãe de Tonya, tem assegurado o Oscar de melhor actriz secundária. Sublinhemos, por isso, a excepcional performance de Margot Robbie, como Tonya, nomeada na categoria de melhor atriz — não é todos os dias que vemos uma actriz capaz de expor o vulgar e o sublime de uma mesma personagem.