joao lopes
31 Mar 2018 0:32
A descoberta de um autor — de um genuíno autor — é sempre um momento de euforia na nossa relação com os filmes e o cinema. Com Xavier Legrand, justamente, experimentamos essa sensação especial, rara, de estarmos perante a afirmação de um novo e invulgar talento: a sua primeira longa-metragem, "Custódia Partilhada", retomando a tradição francesa do melodrama familiar, vai ficar no mercado português como uma das revelações maiores de 2018.
O ponto de partida é tão esquemático quanto desarmante: Miriam e Antoine Besson (Léa Drucker e Denis Ménochet, respectivamente) vão divorciar-se, estando necessariamente em causa a situação da filha adolescente, Joséphine (Mathilde Auneveux), e do filho mais novo, Julien (Thomas Gioria)… Estamos, enfim, perante um cenário legal e emocional em que, desde os primeiros instantes, compreendemos que algo vai correr mal, algo vai explodir em alguma forma de violência.
Não é fácil descrever o que acontece, não porque as peripécias da história sejam obscuras ou imprevisíveis, antes porque Legrand se revela um espantoso cineasta de gestos e comportamentos de superfície que ocultam clivagens incomparavelmente mais radicais. Em termos especificamente cinematográficos, ele consegue dar a ver os espaços mais naturais e familiares, despindo-os de qualquer naturalismo, iluminando as suas clivagens sociais, afectivas e simbólicas.
Num tempo de muitas sistematizações simplistas e "sociológicas" dos problemas familiares e, por vezes, das situações de violência doméstica, Legrand propõe-nos o contrário de qualquer discurso generalista ou banalmente moralista. O que descobrimos em "Custódia Partilhada" envolve uma intimidade irrecusável e também irredutível a padrões universais. Sendo também um actor, com grande experiência teatral, Legrand investe de forma decisiva no complexo trabalho de composição dos seus intérpretes — adultos, adolescentes e crianças, são todos excepcionais.