Os cães de Wes Anderson — revalorizando a técnica de


joao lopes
28 Abr 2018 0:39

Mesmo não esquecendo as muitas maravilhas de animação que têm surgido nas últimas décadas — desde "O Rei Leão" até ao universo dos Mínimos —, importa reconhecer que a percepção corrente desse domínio de produção é francamente redutora. Desde logo, porque tende a confundir o seu desenvolvimento com a proliferação de técnicas digitais; depois, porque o seu alcance surge muitas vezes reduzido a coordenadas infantis ou juvenis.

"Ilha dos Cães", de Wes Anderson, pode ser definido como um objecto capaz de superar tal visão. Em primeiro lugar, porque utiliza a técnica dos bonequinhos animados [ stop motion ], obviamente não inédita, mas francamente menos frequente no mercado; mais do que isso, porque a sua complexidade temática, a par do seu negrume amocional, visa, sobretudo, um público adulto — em qualquer caso, sem qualquer dependência de componentes infantis.
É a segunda vez que Anderson utiliza esta técnica (lembremos a experiência anterior de "O Fantástico Sr. Raposo", produção de 2009 infelizmente nunca lançada nas salas portuguesas). E o mínimo que se pode dizer é que ele a encara como um instrumento de trabalho capaz de gerar um universo cúmplice de outros que encontramos nos seus filmes "normais", com destaque para o brilhante "Grand Budapest Hotel" (2014).
De que se trata, então? Pois bem, de construir uma parábola sobre a repressão e o desejo de libertação, localizada num Japão mais ou menos futurista. A ilha a que o título se refere não tem nada de paradisíaco. É mesmo um lugar infernal utilizado para um fim monstruoso: uma lixeira para onde são enviados os cães, considerados fonte de muitos perigos e doenças (os gatos, pelo contrário, são tratados como animais superiores).
Anderson constrói o seu filme num tom de epopeia demonstrativa, como quem faz um ensaio sobre a maldade humana e a defesa da dignidade dos animais. Para além do rigor de planificação e elaboração dramática, conta com um elenco de luxo que inclui, entre muitos outros, Bryan Cranston, Edward Norton, Bill Murray, Greta Gerwig e Scarlett Johansson… Ou como se prova que interpretar um cão pode ser um teste exemplar para o talento de qualquer actor ou actriz.

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