joao lopes
27 Mai 2018 0:07
Assim vai o mercado (nacional e internacional) a tratar os filmes "pequenos". Que é como quem diz: "Como Falar com Raparigas em Festas" foi um dos títulos da selecção oficial de Cannes em… 2017. Agora, quer dizer, um ano depois, surge nas salas de quase todo o mundo, incluindo os EUA… Pergunta-se: como é que o mercado rentabiliza o próprio efeito de actualidade que um filme pode envolver?
Dito isto, registe-se o facto de estarmos perante mais um sugestivo exemplo do labor de um cineasta americano realmente não-alinhado. John Cameron Mitchell é, de facto, um exemplo modelar de genuína independência, tendo assinado títulos tão singulares como "Hedwig – a Origem do Amor" (2001), "Shortbus" (2006) e "O Outro Lado do Coração" (2010), este uma admirável adaptação da peça "Rabbit Hole", de David Lindsay-Abaire, que valeu a Nicole Kidman uma nomeação para o Oscar de melhor actriz (em Portugal, apenas conhecido através do DVD).
Nicole Kidman volta a ser dirigida por Mitchell em "Como Falar com Raparigas em Festas", assumindo os traços de ‘Queen Boadicea’, símbolo do clima punk, em Londres, no final da década de 1970 — uma composição em que o excesso se combina com a subtileza. Inspirado numa conto de Neil Gaiman, esta é, afinal, uma aventura que oscila entre as memórias históricas e o artifício mais ou menos "futurista" de uma insólita ficção científica.
Também com Elle Fanning e Alex Sharp entre os principais intérpretes, o trabalho de Mitchell parece ter ficado condicionado por uma produção não totalmente controlada (porventura demasiado acelerada para as exigências dramáticas da própria história). Ainda assim, "Como Falar com Raparigas em Festas" consegue afirmar-se como um objecto alheio a tendências ou modas — um pequeno ovni perdido na voragem do mercado.