5 Ago 2018 0:28
O cinema italiano nunca desertou nas nossas salas escuras. Inclusive na revisitação dos seus clássicos — para nos ficarmos por uma memória próxima, recordemos as reposições (e edições em DVD) de alguns títulos fundamentais de Roberto Rossellini. Apesar disso, atrevo-me a pensar que há muitos espectadores que (ainda) não ganharam consciência da extrema importância da produção italiana na dinâmica histórica e estética da produção europeia.
Por isso mesmo, ainda bem que um filme como "A Ciambra" tem estreia no nosso país. E, antes do mais, por uma razão que se liga, justamente, com a memória desses clássicos e, em particular, à herança plural do neo-realismo. Jonas Carpignano é um claro e legítimo discípulo dessas herança, (re)afirmando a vitalidade de um realismo dos corpos e lugares, para fazer, neste caso, o retrato de uma comunidade cigana da Calabria, no sul de Itália.
Curiosamente, podemos aqui detectar a influência de outro universo de contundente realismo: o dos irmãos Dardenne, da Bélgica, e da sua obsessão por seguir personagens em crescente desequilíbrio dramático, como aconteceu no fabuloso "Rosetta" (1999). Também Carpignano segue as atribulações de Pio (o excelente Pio Amato), um rapaz na encruzilhada entre a pertença visceral à família e um caminho que pode envolver a recusa do seu próprio sistema moral.
Falta, aqui, o rigor milimétrico dos Dardenne? Sim, sem dúvida, mas a questão não é essa. "A Ciambra" impõe-se como mais um momento significativo de um desejo de realismo, hoje em dia transversal ao cinema europeu. Além do mais, esta é uma prática realista que se demarca das ilusões "naturalistas" de muitas formas televisivas — as personagens existem enquanto entidades plenas de sigularidades e contradições, isto é, seres realmente vivos.