joao lopes
30 Ago 2018 0:26
O filme "Milla", de Valérie Massadian não é um documentário… E, no entanto, ganhou a competição internacional da edição de 2017 do DocLisboa. Aliás, em vez de no entanto, talvez devamos dizer: precisamente por causa disso. Estamos, de facto, perante um desses sugestivos exemplos de algum cinema contemporâneo que aposta no desafio à tradicional fronteira ficção/documentário.
Trata-se de lançar um vector ficcional mínimo, para não dizer minimalista. Deparamos, assim, com Milla e o seu companheiro, personagens interpretadas, respectivamente, por Séverine Jonckeere e Luc Chessel. O que sabemos deles confunde-se com o carácter precário do que lhes vai acontecendo numa pequena cidade da Mancha — vivem uma existência marginal, obviamente limitada nos seus recursos financeiros…
Tudo se passa como se Massadian os filmasse através de uma discreta, mas continuada, sugestão documental: primeiro, porque sentimos que as durações de muitas situações nascem do inesperado, porventura do improviso, da própria relação dos intérpretes com a câmara; depois, porque surgem como peões incautos de cenários pouco acolhedores, paradoxalmente sedutores.
Até que nasce uma criança… que é, afinal, interpretada pelo filho da própria Jonckeere. E, se é verdade que, antes, o filme parecia andar tão à deriva como os seus (anti-)heróis, não é menos verdade que, a partir daí, "Milla" adquire uma nova intensidade emocional. Os resultados são, por certo, hesitantes, algo carentes de equilíbrio dramático. Ao mesmo tempo, possuem uma verdade intimista que não é fácil de gerar/registar através de uma câmara de filmar — e cada vez que aparece, o filho de Jonckeere, misto de fragilidade e rebeldia, domina todas as cenas.