Anne Brochet e Gérard Depardieu: adaptando um texto lendário do teatro francês


joao lopes
3 Out 2018 23:07

O regresso de "Cyrano de Bergerac" é um dos momentos altos da 19ª edição da Festa do Cinema Francês (4 Out./11 Nov.), e tanto mais quanto o seu realizador, Jean-Paul Rappeneau, assume este ano o papel simbólico de padrinho do evento. É também, aliás, um regresso carregado de ecos simbólicos. Na verdade, Cyrano existe como uma das personagens mais lendárias do teatro francês — mais do que isso, a peça de Edmond Rostand é também uma das mais regularmente adaptadas ao cinema, a começar pela versão muda de Clément Maurice, datada de 1900, e incluindo a realização de Michael Gordon, em 1950, com José Ferrer no papel principal.

Cyrano é esse cavaleiro loucamente apaixonado pela sua prima Roxane… mas o seu nariz longo e disforme parece tornar impossível qualquer cumplicidade amorosa. Daí o drama de Cyrano, ora trágico, ora cómico: para satisfazer o barão Christian de Neuvillette, apostado em conquistar o coração de Roxane, Cyrano, escondido, faz-se passar por Christian, afinal usando as palavras do seu próprio amor… 


Sob a direcção sóbria, eminentemente clássica, de Rappeneau, Anne Brochet é Roxane, surgindo Gérard Depardieu, altivo e enérgico, mas também subtil e comovente, numa admirável composição da personagem de Cyrano. Tendo em conta a riqueza, a complexidade e as nuances do texto, trata-se de um fabuloso trabalho de composição, aliás consagrado no Festival de Cannes de 1990 — Depardieu ganhou o prémio para a melhor interpretação masculina.

A banda sonora composta por Jean-Claude Petit empresta ao filme de Rappeneau uma ambiência de uma só vez nostálgica e moderna que pode resumir a audácia do projecto: trata-se, afinal, de evocar meados do século XVII através de uma peça de finais do século XIX, visando o público do século XX. Jean-Claude Petit ganhou um César do cinema francês, apenas um, afinal, do total de dez arrebatados por “Cyrano de Bergerac” — incluindo melhor realização (Rappeneau), melhor actor (Depardieu) e melhor filme francês de 1990.

+ críticas