joao lopes
10 Nov 2018 1:50
O livro "Mais um Dia de Vida", do polaco Ryszard Kapuscinski (1932-2007), é muitas vezes encarado como um clássico ambíguo do jornalismo. Porquê ambíguo? Em primeiro lugar, porque, ao relatar as convulsões da guerra civil em Angola, corria o ano de 1975, Kapuscinski não prescinde de uma visão crítica dos acontecimentos; depois, porque o seu labor como repórter há muito foi reconhecido como um feito igualmente (e invulgarmente) literário.
Quando descobrimos o filme "Mais um Dia de Vida", que Raúl de La Fuente e Damian Nenow realizaram a partir desse livro, não podemos deixar de pensar na sua dificuldade intrínseca. Trata-se, de facto, de evocar a experiência de Kapuscinski através de algumas entrevistas e materiais de arquivo mas, sobretudo, encenando tal experiência em… desenhos animados.
Interessante paradoxo, sem dúvida: por um lado, este é um objecto que tenta fazer passar uma sensação de realismo; por outro lado, o artifício inerente às técnicas de animação parece contrariar, desde o princípio, a própria consistência dramática do filme.
Nada de novo, afinal: em 2008, Ari Folman realizou "A Valsa com Bashir", um belo "documentário" sobre a Guerra do Líbano, todo ele com imagens de animação… É pena que "Mais um Dia de Vida" pareça não acreditar nas suas próprias potencialidades, a ponto de ir pontuando a odisseia de Kapuscinski com muitas derivações "simbólicas", mais ou menos esquemáticas e redutoras (p. ex.: o corpo do jornalista a vogar no espaço com algumas balas ou explosões em movimento).
Resta dizer que a banalidade técnica dos desenhos e movimentos também não ajuda… Fica, em qualquer caso, a expressão dessa vontade de lidar com a complexidade de uma determinada situação histórica — e, em particular, de um destino individual — através de uma linguagem que resiste ao determinismo simplista que, tantas vezes, marca o universo informativo.