joao lopes
22 Nov 2018 19:58
A memória da passagem de "Shoplifters" no último Festival de Cannes é reveladora. Não foi, por certo, dos títulos mais exuberantes. Não teve nem a contundência crítica de "BlackKklansman", de Spike Lee, nem a dimensão de fresco histórico de "Guerra Fria", de Pawel Pawlikowski.
O certo é que a nova realização do japonês Hirokazu Kore-eda veio provar que, pelo menos para algum cinema contemporâneo, a palavra humanismo não é coisa vã.
Provavelmente, a Palma de Ouro que acabou por receber representa (também) um sintoma dessa abrangência humana — em boa verdade, ao longo dos anos, o festival da Côte d’Azur tem sido uma plataforma fundamental para o conhecimento da obra de Kore-eda.
Ele é, afinal, um cineasta observador da sua sociedade, capaz de colocar em movimento uma exemplar (e muito clássica) dialéctica: as suas histórias são muito particulares pelos sinais e referências que convocam, o que não as impede de possuir um genuíno apelo universal.
Nesta perspectiva, "Shoplifters" — que recebeu o subtítulo português "Uma Famíla de Pequenos Ladrões" — não pode deixar de ser visto como um capítulo mais de uma colecção de histórias em que também se incluem "Ninguém Sabe" (2004), "Andando" (2008) ou "Tal Pai, Tal Filho": em cena estão sempre os laços familiares, seus equilíbrios e desequilíbrios.
Que, neste caso, a família seja de "pequenos ladrões", eis o que expõe os contrastes de um tecido social em que a existência dos bens essenciais de consumo não anula algumas formas de marginalidade financeira. Em última instância, Kore-eda expõe as marcas de uma solidão paradoxal — como se o colectivo fosse também o espaço em que a dimensão individual experimenta os seus dramas, por vezes as suas tragédias.