joao lopes
18 Jan 2019 0:22
As personagens centrais de "Glass" são super-heróis: um chama-se Kevin Wendell Crum e reúne dentro de si 24 personalidades, sendo "A Besta" a mais letal; o outro, David Dunn, possui a capacidade de detectar acções consumadas por pessoas que toca; o terceiro, Elijah Price, aliás, Mr. Glass, detentor de uma inteligência sobre-humana, sofre de uma doença que torna os seus ossos frágeis como vidro…
São interpretados, respectivamente, por James McAvoy, Bruce Willis e Samuel L. Jackson. E transitaram de dois filmes anteriores de M. Night Shyamalan: "O Protegido" (2000) e "Fragmentado" (2016). Quer isto dizer que "Glass" completa uma trilogia em que os super-heróis são sobreviventes das histórias aos quadradinhos, vivendo num mundo que os rejeita e, em última instância, pretende encarcerar — a Dr. Ellie Staple (Sarah Paulson) trata-os mesmo com pacientes desse delírio específico que consiste em acreditar ser… super-herói!
Será preciso acrescentar que "Glass" nada tem a ver com a banal agitação visual e o ruído ensurdecedor da maior parte dos filmes de super-heróis que, em anos recentes, têm surgido com chancela Marvel ou DC Comics? Para além da contundente ironia da visão de Shyamalan, este é mais um capítulo da sua escrita poética — ele encena a saga de personagens cuja identidade não é sustentada pelo meio em que estão condenados a circular.
É através dessa tensão, ou melhor, dessa incompatibilidade entre personagens e contexto que se vai insinuando um misto de sensualidade e estranheza que define, afinal, a transcendência do universo de Shyamalan. Os seus heróis — lembremos o pequeno Haley Joel Osment em "O Sexto Sentido" (1999) — vivem no exílio afectivo de quem mantém o contacto espiritual com um tempo alternativo em que as medidas dos humanos não se aplicam. São crianças, por vezes, super-heróis.