A estreia na realização de Milorad Krstic é um verdadeiro delírio visual


joao lopes
2 Mai 2019 0:40

A sinopse de "Ruben Brandt, Coleccionador" poderá ser qualquer coisa como: Ruben Brandt, um psicoterapeuta, vive assombrado por uma série de obras-primas da pintura (Boticelli, Manet, Van Gogh, Hopper, Warhol, etc.), tornando-o bizarramente dependente dos seus próprios pesadelos… Solução? Roubar esses quadros dos mais famosos museus do mundo, para tal contado com a colaboração de alguns ladrões profissionais que, por acaso (?), são também seus pacientes…

Enfim, a sinopse está longe de sugerir o misto de delírio visual e vertigem iconográfica que contamina esta produção húngara, primeira longa-metragem de Milorad Krstic. De facto, o mínimo que se pode dizer é que estamos perante um objecto bem diferente dos padrões comuns dos desenhos animados (Disney, Pixar, etc.), disponíveis no nosso mercado. "Ruben Brandt, Coleccionador" não é um filme contra tais padrões, apenas alheio à sua existência…



Acima de tudo, importa celebrar a singularidade de um trabalho que, mesmo quando se perde nos seus próprios ziguezagues, possui o condão de celebrar a animação como uma arte de inusitadas possibilidades figurativas e narrativas, para mais integrando referências mais ou menos directas e subtis a uma colecção imensa de obras da pintura e também do cinema (incluindo uma miniatura de… Hitchcock). Vale a pena estar atento ao genérico final, com a identificação dessas obras.

No seu limite mais desconcertante, "Ruben Brandt, Coleccionador" existe como um exercício a que apetece colocar o rótulo de freudiano: por uma vez, a animação cinematográfica serve para expor a fronteira instável entre vida consciente e representações fantasmáticas. Afinal de contas, podemos até formular uma (velha) questão conceptual e comercial: por que não existe uma regular produção de desenhos animados visando os espectadores adultos?

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