Mads Mikkelsen em cenário gelado, ou o cinema como aventura natural


joao lopes
7 Jun 2019 0:39

Hoje em dia, no espaço mediático, triunfou um princípio de classificação da aventura cinematográfica que é, no mínimo, simplista. Assim, passou a ser crença dominante a ideia (?) segundo a qual os temas e emoções de qualquer narrativa aventurosa dependem do investimento nos chamados efeitos especiais… Marcada pelo imaginário tecnológico dos nossos dias, tal crença ignora mesmo que o conceito de efeito especial é tão antigo como o cinema (veja-se ou reveja-se a arte mágica de Méliès, produzida há mais de um século).

Dito de outro modo: a actual celebração da aventura tende a confundir-se com um sistemático empobrecimento das suas relações com os elementos naturais. Há mesmo quem pretenda favorecer a ideia (!) segundo a qual o impulso aventuroso se mede pelas respectivas componentes digitais. Daí, creio, a importância de celebrar um filme tão simples, e também tão sincero, como a coprodução Islândia/EUA que se intitula "Árctico".
Estamos, de facto, perante a narrativa de uma aventura situada naquilo que talvez possamos chamar um cenário primordial: esta é a história de um homem (Mads Mikkelsen, expressão minimalista, sempre cinematograficamente interessante) que começamos por conhecer, desde logo, enquanto sobrevivente de um cenário gelado — o seu avião despenhou-se e está por inteiro entregue às questões de sobrevivência…
Apetece dizer que a vibração dramática de "Árctico", envolvendo, claro, a situação específica da personagem central, se confunde com o trabalho do próprio filme. Afinal de contas, filmar a saga daquela personagem terá sido também um desafio aos recursos humanos e técnicos do próprio cinema. O que o realizador brasileiro Joe Penna conseguiu é, assim, qualquer coisa de anímico — o cinema nasce do desafio de olhar à sua/nossa volta.

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