joao lopes
28 Set 2019 0:25
Como vai a luta de classes na Coreia do Sul?… Pergunta insólita, sem dúvida, mas inteiramente justificada face a um filme como "Parasitas", de Bong Joon-ho. Isto porque encontramos aqui uma das mais desconcertantes ficções que pudemos descobrir em tempos recentes: uma família sem grandes meios vai-se insinuando na vida de uma outra família, muito rica, a ponto de ocupar o seu quotidiano…
Enfim, manda o bom senso que não revelemos muito das peripécias do filme. Mas importa dizer também que não se trata de uma mera colecção de anedotas resultantes dos contrastes entre "ricos" e "pobres". Bong Joon-ho coloca em cena uma teia de fidelidades e traições que nos leva a contemplar o social como um mapa de muitos contrastes enraizados nos gestos mais subtis.
Nada a ver, entenda-se, com o entendimento mesquinho do "social" como um fenómeno virtual, exclusivamente "em rede". Podemos mesmo dizer que este é um filme sobre a pulsação muito física das relações sociais, a ponto de "Parasitas" envolver uma estranha e perturbante moral — será que a vida social é uma colecção de máscaras com que enganamos os outros e, no limite, nos enganamos a nós próprios?
Bong Joon-ho tornou-se conhecido como realizador de filmes mais ou menos fantásticos ou fantasistas, como "The Host – A Criatura" (2006) e "Okja" (2017), qualquer um deles, a meu ver, muito menos interessante que "Parasitas". Agora, ele coloca em marcha um dispositivo dramático que vai da caricatura ao "thriller", expondo a crueldade interior do espaço social — daí também a dimensão universal deste filme, por certo fundamental para a sua consagração com a Palma de Ouro de Cannes.