joao lopes
5 Dez 2019 17:12
No novo filme de Abel Ferrara, "Tommaso", deparamos com a personagem identificada no título, composta por Willem Dafoe, um artista americano a viver com a família em Roma. Acontece que, nos últimos anos, Ferrara tem vivido em Roma. Mais do que isso: a mulher e a filha de Tommaso são interpretadas por Christina Chiriac e Anna Ferrara, respectivamente, mulher e filha de Ferrara…
Filme auto-biográfico? Não em sentido estrito, muito menos automático. Antes como eco material e simbólico de uma vida profissional (em família, sem dúvida) que Ferrara tem prosseguido a partir de um metódico distanciamento dos EUA. Intransigente autor independente, tem sido, de facto, na Europa que ele tem encontrado financimento para os seus títulos mais recentes.
"Alive in France" e "Piazza Vittorio" (ambos de 2017) eram já ecos muito directos desse exílio artístico, o segundo documentando mesmo a zona de Roma onde Ferrara tem habitado. Agora, "Tommaso" pode ser definido como um relançamento de uma muito primitiva, e incontornável, interrogação artística: que fazer com as formas, eventualmente as narrativas, com que lidamos com o mundo à nossa volta?
"Tommaso" impõe-se como renovado exemplo de um cinema eminentemente físico, de tal modo que o espectador pode experimentar uma fascinante duplicidade: vamos conhecendo as atribulações das personagens e, ao mesmo tempo, reconhecemos o labor específico dos actores para dar vida a essas personagens. Nem documentário, nem ficção, o trabalho de Ferrara continua a distinguir-se por uma vibração confessional rara na produção contemporânea.