19 Dez 2019 22:54
Infelizmente, não há muito a dizer sobre o episódio nº 9 de "Star Wars", capítulo final da saga imaginada por George Lucas em meados da década de 1970. Aliás, em boa verdade, "A Ascensão de Skywalker", dirigido por J. J. Abrams, já pouco ou nada tem a ver com a imaginação de Lucas e a respectiva herança narrativa, uma vez que depois da venda da sua produtora [Lucasfilm] ao império Disney, o universo original foi transformado numa narrativa que parece satisfazer-se com dois princípios rudimentares: em primeiro lugar, aproximar-se o mais possível da redundância visual dos actuais super-heróis; depois, forçar os elementos especificamente cinematográficos — imagem, som, montagem — a funcionar como banais derivações das regras e efeitos correntes dos videojogos (ditos) de acção.
A excepção confirma a regra. A excepção chama-se, neste caso, Daisy Ridley (intérprete de Rey). Na maior do tempo, o filme segue essa (falta de) lógica de muitas produções contemporâneas, confundindo a "aceleração" visual da montagem com a criação de um genuíno ambiente dramático. Em todo o caso, por vezes, J. J. Abrams tem o bom senso de aquietar a sua câmara por mais alguns segundos no rosto de Ridley e podemos, pelo menos, reencontrar uma ideia antiga: a de que a presença humana é o mais belo efeito especial.
No limite, tudo funciona como uma espécie de álbum de recordações, fundamentado no regresso compulsivo de actores que marcaram as primeiras fases da saga: é o caso de Harrison Ford e Mark Hamill, mas também de Carrie Fisher (1956-2016), agora renascida através dos poderes de manipulação digital das imagens. Curiosa contradição: por esse mundo fora, há quem instaure processos de moralização pelo facto de Robert De Niro e Al Pacino surgirem digitalmente rejuvenescidos em algumas cenas de "O Irlandês", de Martin Scorsese, mas a reconfiguração de Fisher pelo mesmo tipo de técnicas está ausentes dos debates…
Seja como for, podemos ainda pressentir a vocação mitológica do sistema criado por Lucas para sustentar as histórias de uma "galáxia muito, muito distante". Mas a sua aplicação é cada vez mais instrumental. Dito de outro modo: os estúdios Disney parecem sobretudo apostados em manter abertas as possibilidades de prolongamento das peripécias, de modo a garantir renovados investimentos/receitas, mobilizadores dos fãs… Serenamente, resta apenas (re)lembrar que a cultura dos fãs pode ser um complexo e fascinante fenómeno cultural, mas está por provar que tenha alguma coisa a ver com os valores da cinefilia ou o labor específico da crítica de cinema.