joao lopes
24 Jan 2020 23:47
O mínimo que se pode dizer de um filme como "Os Filhos de Isadora", realizado pelo francês Damien Manivel, é que se trata de uma experiência pouco vulgar e, nessa medida, sedutora. Trata-se de construir um objecto cinematográfico a partir de uma memória tão intensa quanto paradoxal. A saber: o bailado "Mother", concebido pela lendária Isadora Duncan (1877-1927) na sequência da morte dos seus dois filhos num acidente.
Em boa verdade, mais (ou menos) do que um filme, "Os Filhos de Isadora" pode ser definido como uma pequena antologia sobre os efeitos desse bailado em três situações autónomas; primeiro, descobrimos uma bailarina a ensaiar os movimentos concebidos por Isadora; depois, seguimos as experimentações de uma professora e uma aluna; por fim, surge o retrato de uma espectadora que, na sua solidão, revisita os efeitos emocionais do próprio bailado.
É óbvio que Manivel possui um olhar sensível às nuances dos corpos que dançam e desejam dançar — afinal de contas, antes de se dedicar ao cinema, a sua formação aconteceu na área da dança contemporânea. Fica por esclarecer se ele possui, de facto, algum projecto fílmico para lidar com as matérias que convoca.
Algures entre o apontamento documental e a especulação metafísica, "Os Filhos de Isadora" resulta uma colecção de momentos sugestivos a que falta um verdadeiro programa narrativo: como documentário, fica-se pelo esboço à procura de uma estrutura; como reflexão filosófica, tenta sugerir uma "transcendência" poética que, em última instância, só está (se estiver) no pensamento do espectador.