Margot Robbie em


joao lopes
25 Jan 2020 23:41

A história das muitas formas de assédio sexual protagonizadas por Roger Ailes (1940-2017), enquanto presidente da Fox News, tornaram-se numa referência factual e simbólica do movimento #MeToo.

E escusado será dizer que o filme "Bombshell" (entre nós subtitulado "O Escândalo"), realizado por Jay Roach, nasce também da urgência social e da energia argumentativa desse movimento.

Apesar disso, aliás, precisamente por causa disso, creio que é importante não confundir o elaborado trabalho de Roach com uma lógica estritamente panfletária. Nem encarar "Bombshell" como se se limitasse a ilustrar um discurso militante, por maior que possa ser a sua pertinência ou justeza. Nada disso: a força perturbante deste filme enraiza-se na sua capacidade de nunca menosprezar as singularidades de cada uma das suas personagens.
A representação de personagens verídicas envolve, aqui, um efeito de real que, por certo, é especialmente intenso junto dos (tele-) espectadores dos EUA. O trabalho mimético de Nicole Kidman e, sobretudo, Charlize Theron — para comporem Gretchen Carlson e Megyn Kelly, respectivamente — é admirável. Em qualquer caso, as suas composições estão longe de se esgotar num mero jogo de "imitação", reflectindo o enorme talento de duas admiráveis actrizes [video: Charlize Theron entrevistada por Stephen Colbert].

Seja como for, talvez pelo seu "artifício" no interior das memórias muito concretas das convulsões no interior da Fox News, a personagem fictícia de Kayla Pospisil, interpretada pela também brilhante Margot Robbie, revela-se fundamental na dramaturgia de "Bombshell". Ela personifica, afinal, a relação ambivalente com o misto de sedução e predação da figura de Ailes — outra composição de invulgar subtileza, neste caso a cargo de John Lithgow.
Em última instância, "Bombshell" acaba por ser muito mais do que um filme sobre o "escândalo" que o subtítulo português recorda, expondo as dinâmicas perversas de um universo de trabalho em que todas as relações homens/mulheres estão contaminadas por uma lógica implacável de competição.
Nesta perspectiva, "Bombshell" merece um lugar na galeria de filmes de Hollywood que, ao longo das décadas, em tons muito diversos, têm sabido dar conta das maravilhas e pesadelos do universo televisivo. Lembremos os casos exemplares de "Network" (Sidney Lumet, 1976), "Edição Especial" (James L. Brooks, 1987) e "Quiz Show" (Robert Redford, 1994) — e lembremos também o trailer deste último.

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