Vincent Lacoste e Chiara Mastroianni: um registo de

crítica

O melodrama segundo Christophe Honoré

O francês Christophe Honoré continua a trabalhar sobre os modelos do melodrama; no caso de "Quarto 212", coloca Chiara Mastroianni a viver uma saga afectiva em que passado e presente coexistem no mesmo cenário artificioso.

Há qualquer coisa de incómodo no facto de assinalarmos (mais) uma estreia online: "Quarto 212". Porquê? Porque, para lá de qualquer filme, "melhor" ou "pior", merecer o ecrã de uma sala escura, isso acontece por causa da situação de excepção que estamos a viver: por todo o mundo, produtores, distribuidores e exibidores (e também festivais de cinema) analisam se devem, ou quando devem, mostrar os novos filmes na Net.

"Quarto 212" chegou a ter lançamento marcado para o circuito das salas, mas o confinamento levou à sua colocação numa plataforma de streaming [Filmin]. Estamos perante uma obra de um dos mais interessantes autores franceses das últimas duas décadas: Christophe Honoré. E mesmo considerando que "Quarto 212" será uma das suas experiências menos exuberantes, talvez seja oportuno lembrar que Honoré continua a ser um dos que, teimosamente, se mantém ligado a um romanesco cujo património nos remete em linha directa para a esplendorosa herança de um "primitivo" como Jean Renoir.

Trata-se de colocar em cena um casal — interpretado por Chiara Mastroianni e Benjamin Biolay — que atravessa uma crise que leva a mulher a mudar-se para o hotel que fica… do outro lado da rua. Aí encontra várias personagens da sua história pessoal, incluindo o próprio marido, 20 anos mais novo, interpretado por Vincent Lacoste (vimo-lo no título anterior de Honoré, "Agradar, Amar e Correr Depressa", 2018)… Dito de outro modo: esta é uma variação "fantasista" sobre o modelo clássico do melodrama.

Explorando de modo algo simplista o artifício do cenário de estúdio, Honoré acaba por experimentar uma variação insólita sobre os valores dramáticos (e melodramáticos, justamente) que marcam alguns dos seus melhores filmes, por vezes com sugestivas derivações musicais, como aconteceu em "Os Bem-Amados" (2011), também com Chiara Mastroianni, neste caso contracenando com a mãe, Catherine Deneuve. É um caminho possível, mas o seu trabalho "tradicional" é francamente mais motivador.