7 Ago 2020 20:05
Digamos, para simplificar, que André Téchiné é um dos maiores directores de actores do último meio século da produção francesa, sendo a sua relação de trabalho com Catherine Deneuve — oito filmes, a começar por "Hôtel des Amériques/O Segredo do Amor" (1981) — o símbolo mais esclarecedor das suas qualidades. "O Adeus à Noite", revelado no Festival de Berlim de 2019, é a mais recente colaboração Deneuve/Téchiné e o menos que se pode dizer é que o seu trabalho permanece fiel a uma noção de romanesco com raízes na mais nobre tradição francesa — sendo obrigatório evocar a referência tutelar de Jean Renoir.
Em todo o caso, mais do que nunca, importa relembrar que tal tradição não é, de modo algum, uma mera deambulação abstracta protagonizada por personagens desligadas de qualquer contexto histórico. Bem pelo contrário, há em Téchiné uma atenção regular, e muito elaborada, aos sinais de transformação da sociedade francesa e, em especial, ao modo como as diferenças e conflitos de gerações podem reflectir as convulsões políticas.
Convém, entenda-se, evitarmos as generalizões automáticas. Este não é um filme sobre todas as "diferenças" de gerações, como está longe de ser uma tese sobre o "terrorismo". Téchiné não é um ilustrador de temas "globais", antes um paciente, metódico e, à sua maneira, obsessivo observador das singularidades dos seres, homens e mulheres, velhos e novos. De alguma maneira perguntando sempre: o que faz com que duas personagens se reunam num espaço de cumplicidade ou se separem num território de conflito?
Nesta perspectiva, o que mais conta no cinema de Téchiné não são as "ideias" que esta ou aquela personagem pode encarnar, antes o tecido quotidiano em que descobrimos os seres humanos enredados nas suas angústias, equívocos e fragilidades. Cada situação não serve, por isso, para fazer "avançar" a história que se conta — essa história existe através dos pequenos gestos, das palavras incisivas, dos silêncios perturbantes, enfim, tudo aquilo que faz de cada ser um enigma nunca resolvido para o outro.