joao lopes
23 Out 2020 0:15
Num mercado (nacional e internacional) tão fragilizado pela situação de pandemia, não é fácil manter uma relação coerente e consistente com o cinema. No contexto português, também todas as empresas sentem os efeitos da conjuntura, tentando, de uma maneira ou de outra, manter viva alguma ideia de cinefilia.
Isso tem sido particularmente evidente, e importante, no trabalho de distribuidores/exibidores independentes. Temos, esta semana, mais um exemplo de tal atitude com a estreia de "Pendular", de Júlia Murat, integrado num ciclo preenchido com obras de realizadoras brasileiras (proposto pela Nitrato Filmes) — tem na sua bagagem internacional um prémio FIPRESCI atribuído na secção Panorama do Festival de Berlim de 2017.
Não se poderá dizer que os resultados sejam surpreendentes, até porque "Pendular" se move num terreno — as relações entre trabalho artístico e vida íntima — já pontuado, ao longo da história, por notáveis proezas cinematográficas. Lembremos apenas, a esse propósito, a filmografia do francês Jacques Rivette (1928-2016) e obras-primas como "L’Amour Fou" (1969) ou "La Belle Noiseuse" (1991).
Trata-se, assim, de colocar em cena um casal que começa a viver/trabalhar num espaço susceptível de satisfazer os desígnios artísticos de cada um — ele é escultor (Rodrigo Bolzan), ela é bailarina (Raquel Karro). Das experimentações estéticas até às relações sexuais, o filme tem a ambição de traçar um retrato capaz de cruzar as componentes artísticas e os enigmas psicológicos.
Algo esquemáticas na sua construção dramática, as sequências do filme possuem, em qualquer caso, um valor que importa sublinhar. A saber: a capacidade de expor, justamente, as práticas artísticas como um labor específico, não uma especulação abstracta sobre valores "eternos". O esforço dos actores ajuda, pelo menos, a que sintamos tudo isso como um labirinto visceralmente humano.