Seja qual for o juízo de valor que cada um possa formular sobre o filme "Listen", sublinhemos um facto importante: a produção luso-britânica, premiada em Veneza, que marca a estreia na longa-metragem de Ana Rocha de Sousa, está a ter uma significativa exposição mediática que, infelizmente, nem sempre é conferida a outros títulos portugueses que, por uma razão ou por outra, conseguem algum protagonismo internacional. Como bem sabemos, esse protagonismo é mesmo utilizado, por vezes, para difamar filmes e autores.
Aliás, essa exposição tende a atrair um utopismo ingénuo de que nem o filme, nem quem o fez, é responsável, mas que, em última instância, só o pode prejudicar. A ideia (?) segundo a qual algum filme,
seja ele qual for, virá "salvar" o cinema português não passa de um infantilismo que, conscientemente ou não, mascara o essencial. A saber: a necessidade de pensar os mecanismos de produção do cinema em geral. Sintoma esclarecedor: a propósito de "Listen", quase nunca tem sido citado o nome do produtor
Rodrigo Areias, decisivo na viabilização e montagem deste projecto.
Estamos perante um objecto que, na narrativa, cruza também as suas origens de produção. Esta é a história, baseada em factos verídicos, de uma família portuguesa — pai, mãe e três filhos — que, em Inglaterra, vive uma cruel escassez de meios de sobrevivência, a ponto de os serviços da respectiva segurança social investigarem a sua situação, pondo em causa a permanência dos filhos com os pais…
Há uma dimensão panfletária que, creio, limita os resultados do filme — por exemplo, a cena nuclear do tribunal em que a mãe (Lúcia Moniz) defende o direito a ficar com os filhos perde força pelo facto de a mise en scène reduzir as personagens do lado da lei a simples figurantes. E há também momentos de "overacting" em alguns diálogos entre pai (Ruben Garcia) e mãe que os actores, cujo empenho não está em causa, têm dificuldade em sustentar.
Em qualquer caso, parece-me essencial valorizar a existência de um filme capaz de atrair a curiosidade e o interesse das mais diversas camadas de público, não escamoteando o mais significativo. A saber: "Listen" resulta de um olhar próprio, à procura da sua consistência formal e dramatúrgica, além do mais explorando uma via realista de inestimável valor. Nada a ver com o naturalismo determinista das novelas, entenda-se.
Um filme, enfim, que importa descobrir e discutir, tanto quanto possível evitando sobrecarregá-lo com a "missão" de corrigir as insuficiências de um sistema de produção cujas limitações estão enraizadas em muitas décadas de história cultural e política — e também de débeis políticas culturais.