joao lopes
18 Dez 2020 23:35
Eis um dado insólito deste final de 2020: "Wonder Woman 1984" é mais um caso bizarro, desconcertante sem dúvida, de apoteótico desperdício de meios (200 milhões de dólares de orçamento, dizem as notícias) e, ao mesmo tempo, um acontecimento de acutilante simbolismo.
Porquê? Porque a Warner não desistiu de o colocar nas salas de todo o mundo, ao mesmo tempo que anunciou uma nova estratégia de lançamentos em simultâneo com as plataformas de streaming. Como bem sabemos, o carácter paradoxal de tal decisão está longe de ser pacífico no interior da comunidade de Hollywood e não há dúvida que, para o melhor ou para o pior, parece ser (mais) um precedente de consequências (ainda) imprevisíveis.
No fundo, é pena que isso seja o essencial a dizer desta sequela de "Mulher Maravilha" (2017), com Gal Gadot e Patty Jenkins a reassumirem as respectivas funções de interpretação e realização. Estamos mesmo perante um caso intrigante de banalização do apelo mitológico de uma personagem que merecia um investimento criativo, no mínimo, mais criterioso.
O filme arranca, aliás, com uma sequência que até parece indiciar alguma preocupação em não entregar tudo às rotinas dos técnicos de efeitos especiais, incluindo os que se especializaram em agredir os ouvidos dos espectadores (função a que, desta vez, não é alheio o trabalho de um compositor tão brilhante como Hans Zimmer). Nela descobrimos Diana Prince, ainda criança, antecipando as suas virtudes de Mulher Maravilha, tentando rivalizar com as amazonas do seu reino…
A dimensão lendária de tal sequência cedo se desvanece. Nada resiste a essa espécie de "caderno de encargos" que tem regido a maior parte deste tipo de produções, combinando cenas de (in)acção, repetidas até à exaustão, com elementos de diálogo que desafiam a mais básica inteligência. "A minha vida não tem sido aquilo que pensas. Todos nós temos as nossas lutas", desabafa a desamparada Diana — em boa verdade, podemos compreender o seu desencanto.