joao lopes
30 Dez 2020 23:55
Viola Davis ganhou um Óscar de melhor actriz secundária pelo seu trabalho em "Vedações" (2016), filme de e com Denzel Washington tendo por base uma peça de August Wilson (1945-2005). Agora, alguns analistas americanos consideram que ela está de novo bem colocada na corrida às estatuetas douradas de Hollywood graças à interpretação da lendária cantora de blues Ma Rainey (1886-1939) no filme "Ma Rainey: a Mãe do Blues", de George C. Wolfe.
Dir-se-ia que a história se repete, uma vez que o novo filme adapta também uma peça de Wilson, igualmente exemplar na abordagem de personagens e valores da cultura afro-americana. O que não se repete é o próprio contexto em que revemos Viola Davis: "Ma Rainey: a Mãe do Blues" é apenas um filme online, produzido e difundido pela Netflix.
Mas as grandes diferenças decorrem de algo mais fundo, envolvendo uma velha questão, rudimentar na sua formulação, mas vital nos respectivos efeitos. A saber: como transpor para cinema um texto teatral? Infelizmente, a realização de George C. Wolfe parece contentar-se com a resposta mais académica e também mais redutora: para contrariar (?) a quietude (??) do espaço teatral (???), importa pôr a câmara a "mexer" de forma mais ou menos agitada — entenda-se: disparatada…
Ironias à parte, o que está em jogo não é exactamente o "movimento" seja do que for, mas a crença no próprio poder dramático das palavras, na configuração espaço/tempo que através delas se elabora. A situação fulcral da peça — uma gravação em estúdio de Ma Rainey, lutando contra diversas formas de discriminação — acaba por se desmembrar sem grande glória. Viola Davis e Chadwick Boseman (falecido pouco depois da rodagem) são presenças invulgares, mas fica a sensação amarga de estarmos a ver um exercício cinematográfico que não chega a acreditar no valor intrínseco do texto que adapta.