joao lopes
5 Fev 2021 2:06
Um fenómeno curioso na actual multiplicação de títulos nas plataformas de streaming é o facto de a concorrência (incluindo, claro, a vontade de ter um catálogo tão extenso quanto possível) estar a favorecer o aparecimento de obras que, muito provavelmente, seriam rejeitadas pelas rotinas dos estúdios tradicionais.
"The Dig / A Grande Escavação", realizado por Simon Stone, produzido pela Netflix, é um revelador exemplo, desde logo pela especificidade do seu tema, inspirado em factos verídicos. A saber: a descoberta, em 1939, de uma relíquia arqueológica — um barco de origem anglo-saxónica, século VII — numa propriedade de Sutton Hoo, na zona de Suffolk, na zona leste de Inglaterra.
As personagens centrais são Edith Pretty, a proprietária, e Basil Brown, um arqueólogo "amador" não muito bem visto pelas autoridades oficiais do British Museum. E se é verdade que os papéis são desempenhados pelos muito competentes Carey Mulligan e Ralph Fiennes, não é menos verdade que no caso de Mulligan surge um obstáculo intransponível: querendo dar evidência à precária condição de saúde de Pretty, na altura com 56 anos (viria a falecer três anos mais tarde), o filme "força" Mulligan a uma postura física e dramática que os seus 35 anos não conseguem sustentar.
O filme, aliás, apresenta diversos problemas estruturais, incluindo a introdução tardia do par interpretado por Lily James e Ben Chaplin, de algum modo secundarizando Edith e Basil e quebrando o fio condutor da intriga. Resta o trabalho de cenografia investido no retrato das tarefas arqueológicas: o seu realismo constitui um factor invulgar neste tipo de "reconstituições", conferindo às personagens, apesar de tudo, alguma vibração humana e espessura psicológica.