joao lopes
22 Mai 2021 2:45
Não será uma vaga temática, muito menos um movimento conceptual. Nem sequer se poderá definir como uma moda. O certo é que, em anos recentes, de "Amy" (2015), documentário sobre Amy Winehouse, a "Rocketman" (2019), dedicado a Elton John, têm surgido diversos títulos apostados em refazer, recriar e reavaliar algumas vidas mais ou menos atribuladas do mundo da música.
"Billie", realizado pelo britânico James Erskine, é mais um sintoma desse estado de coisas: uma revisitação de carácter documental da história convulsiva de Billie Holiday (1915-1959). E o menos que se pode dizer é que as suas memórias possuem um fortíssimo apelo emocional: primeiro, pelo modo como toda a sua existência foi marcada por diversas formas de toxicodependência; depois, pelas perseguições de que foi alvo, em particular pela sua insistência em cantar "Strange Fruit", tema que denunciava o linchamento de afro-americanos no sul dos EUA.
A circunstância de "Billie" surgir (no mercado português) ao mesmo tempo de "Estados Unidos vs. Billie Holiday" poderá suscitar comparações mais ou menos sugestivas, nomeadamente no tratamento de algumas situações emblemáticas. Ainda assim, creio que vale a pena separar as águas. E não apenas porque a ficção me parece menos motivadora que o documentário — sobretudo porque o trabalho de Erskine sabe valorizar os documentos que recolhe e remonta.
Estamos, de facto, perante um caso exemplar de utilização de materiais de arquivo. O seu tratamento evita aquelas colagens "aceleradas" que, em última instância, se ficam pela indiferença face às figuras que evocam ou tentam retratar. Acima de tudo, Erskine sabe criar tempos de percepção para aqueles materiais, com a particularidade de a sua recolha não se esgotar no domínio do filme ou da televisão — "Billie" é também um documentário que sabe olhar, e dar a ver, os registos fotográficos.