7 Nov 2021 23:22
Para referirmos a excelência formal e a depuração temática de "Três Andares", talvez seja importante recordar que a "imagem de marca" de Nanni Moretti como cineasta-de-comédias está longe de ser suficiente para descrever a sua filmografia.
Bastará lembrar o exemplo de "O Quarto do Filho", que lhe valeu a Palma de Ouro de Cannes em 2001. Em boa verdade, talvez seja mais justo dizer que, em registo mais ou menos irónico, mais ou menos grave, Moretti tem sido sempre um retratista das agruras da condição humana, encenando personagens em que, de uma maneira ou de outra, nos podemos reconhecer.
Assim volta a acontecer neste extraordinário "Três Andares" que o levou de volta a Cannes, no passado mês de julho, tendo sido, a meu ver, o melhor filme do certame de 2021. Como o título diz, trata-se de observar as vivências de um prédio de três andares, vivências que começam com uma cena em que, de forma realista e simbólica, se cruzam vida e morte — um bébé está para nascer e uma mulher é morta num acidente…
A partir daí, "Três Andares" desenvolve-se como um verdadeiro exercício coral em que as personagens se encontram e desencontram, num jogo dramático revelador das muitas formas de solidão que podem existir numa grande metrópole. Tudo se passa em Roma mas, como sempre, a visão de Moretti é profundamente universal.
Para o rigor da sua visão continua a ser imprescindível o trabalho específico com os actores. Neste caso, ele está também presente como intérprete de uma das personagens, tendo-se rodeado de gente tão talentosa como Margherita Buy, Riccardo Scamarcio, Alba Rohrwacher ou Adriano Giannini — a pluralidade do elemento humano é, em última instância, o fulcro do seu labor, transformando-o num dos derradeiros grandes humanistas do cinema europeu.