joao lopes
26 Nov 2021 19:58
O leitor que, eventualmente, tenha tido a curiosidade e a paciência suficientes para ler a crónica sobre “Benedetta” que aqui escrevi aquando da passagem do filme de Paul Verhoeven no Festival de Cannes [link aqui ao lado] saberá do meu desencanto face ao rótulo de “escândalo” que envolveu (e envolve) o filme.
Há, de facto, qualquer coisa de bizarro neste fenómeno “social” (não poucas vezes “em rede”) que transformou as matérias ditas escandalosas em “temas” identificáveis e, por assim dizer, “socializáveis”. Um pouco como se diz que “Citizen Kane” é sobre um magnate da imprensa, dir-se-á agora que “Benedetta” é sobre uma matéria escandalosa. A saber: um amor lésbico num convento italiano, em finais do século XVII…
Sem qualquer ironia, julgava eu que uma matéria eventualmente escandalosa (mas como defini-la?…) é, justamente, a que suspende os discursos que a tentem descrever, apropriar ou contestar — não a que triunfa através de um rótulo que circula como uma espécie de caução mais ou menos involuntária.
A questão ou questões que tudo isto arrasta são tanto mais desconcertantes quanto “Benedetta” me parece um objecto de escasso trabalho narrativo, recheado de situações de grande esquematismo dramático, com diálogos que roçam a irrisão. Mais do que isso: as arbitrariedades da mise en scène, menosprezando a possível riqueza do espaço/tempo, duplicam-se na vulgaridade técnica de todo o empreendimento [mais uma vez, permito-me remeter o leitor para o texto de Cannes].
Confesso que, de um modo geral, tento evitar rematar prosas breves como esta com qualquer tipo de “recomendação” para que o leitor “veja” ou “não veja” o filme em causa — um espectador é, afinal, alguém que decide. Neste caso, as clivagens que o trabalho de Verhoeven provoca justificam algo um pouco diferente: eis um filme que vale a pena descobrir, na certeza de que cada um saberá encontrar a pertinência da sua própria visão.