3 Jul 2016 3:28
Michael Cimino, o realizador americano de "O Caçador" (1978), morreu no dia 2 de Julho — contava 77 anos. A notícia foi divulgada no Twitter, por Thierry Fremaux, director do Festival de Cannes.
A lista de projectos não concretizados de Cimino é maior que a dos filmes que, realmente, assinou — sete longas-metragens, para sermos exactos. Isto porque os dramáticos problemas que envolveram a produção de "As Portas do Céu" (1980), a começar pela meteórica ultrapassagem do orçamento, lhe criaram problemas crescentes no seio da indústria de Hollywood.
Cimino foi, afinal, um símbolo exemplar da geração dos chamados "movie brats" que, ao longo dos anos 60/70, transfiguraram a paisagem do cinema americano (tal como Peter Bogdanovich e Francis Ford Coppola, nasceu em 1939). Curiosamente, a sua afirmação começou como argumentista, por exemplo em "Magnum Force" (1973), filme que serviu de sequela a "Dirty Harry" (1971), com Clint Eastwood.
O próprio Eastwood ajudou a criar condições para que Cimino se estreasse na realização no filme que protagonizou logo após "Magnum Force" — chamou-se "Thunderbolt and Lightfoot" (1974), tinha de novo argumento de Cimino e retratava um veterano assaltante de bancos num registo mais ou menos paródico (foi lançado entre nós como "A Última Golpada").
Quatro anos mais tarde, com "O Caçador", Cimino seria consagrado como um dos nomes essenciais do "New Hollywood": através da história de um grupo de amigos da Pensilvânia que vão combater no Vietname, era a própria identidade americana que se apresentava revista num registo visceralmente trágico. No seu elenco figuravam, entre outros, Robert De Niro, Christopher Walken e Meryl Streep. Arrebatou cinco Oscars, dois dos quais para o próprio Cimino: melhor realizador e melhor filme de 1978 (Cimino ganhou na qualidade de co-produtor).
Logo a seguir, as atribulações de "As Portas do Céu", uma revisão crítica de muitas convenções do western clássico, conduziram ao desmantelar do próprio estúdio produtor (United Artists), transformando Cimino num "marginal" da indústria. O filme é habitualmente citado como peça decisiva no fim de uma era de renovação, quanto mais não seja porque, a partir daí, os estúdios decidiram estabelecer muito mais apertados mecanismos de controle do trabalho dos realizadores. Com o passar dos anos, suscitou diversas releituras que valorizam a sua importância histórica.
Cimino ainda realizou: "O Ano do Dragão" (1985), um thriller com Mickey Rourke; "O Siciliano" (1987), sobre Salvatore Giuliano, a partir de um livro de Mario Puzo; "A Noite do Desespero" (1990), de novo com Rourke, refazendo o clássico "Horas de Desespero" (1955), de William Wyler; e "Espírito do Sol" (1996), tentativa poética de revisitar a herança mitológica do western.
O certo é que Cimino nunca conseguiu recuperar o reconhecimento da sua época de glória, nem mesmo no plano estritamente comercial. Vivia em França, tendo já publicado dois romances. Em 2001, o Ministério da Cultura de França atribuiu-lhe a medalha de Cavaleiro das Artes e das Letras. O seu derradeiro trabalho como realizador foi um dos episódios de "Cada um o Seu Cinema" (2007), com que o Festival de Cannes assinalou a sua 60ª edição.