4 Jul 2016 23:00
O realizador iraniano de "Close-up" (1990) morreu no dia 4 de Julho, em Paris, onde estava a ser tratado de um cancro gastrointestinal — nascido em Teerão, a 22 de Junho de 1940, contava 76 anos.
O menos que se pode dizer da obra de Kiarostami é que ela sempre se moveu pelo gosto obstinado em percorrer os caminhos difíceis da verdade. Entenda-se: não a verdade que se revela "automaticamente" apenas porque colocamos uma câmara à frente do que quer que seja; antes a verdade que discute as evidências e, no limite, reformula as categorias tradicionais de ficção e documentário.
Eis sete exemplos sintomáticos de uma filmografia fascinante:
* CLOSE-UP (1990) — Um filme sobre um homem que se faz passar por Moshen Makhmalbaf (outro importantíssimo cineasta iraniano), desencadeando uma avalancha de equívocos que testam o próprio realismo do cinema — com uma interrogação fulcral: como ser cineasta no Irão?
* E A VIDA CONTINUA (1992) — De novo o cinema em cena: um realizador visita uma zona devastada por um tremor de terra, tentando compreender como evoluiu a vida das pessoas que ele próprio filmara alguns anos antes — a ficção documenta; o documentário apela ao gosto ficcional.
* O SABOR DA CEREJA (1997) — Um homem ao volante numa paisagem mais ou menos inóspita segue um programa enigmático: ele quer encontrar alguém que o enterre depois de consumar o suicídio que planeou [video: apresentação do filme por A. O. Scott, do "New York Times"] — uma espantosa fábula existencial distinguida com a Palma de Ouro de Cannes, ex-aequo com "A Enguia", do japonês Shohei Imamura.
* DEZ (2002) — Uma dezena de quadros vivos: em Teerão, uma mulher conduz um automóvel e vai estabelecendo os mais diversos e contraditórios diálogos com uma galeria de passageiros — para lá da desmontagem das relações quotidianas, um sereno panfleto sobre o difícil lugar (do) feminino na sociedade iraniana.
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* SHIRIN (2008) — Um filme sobre rostos de mulheres. Literalmente: seguimos a representação de um poema persa do séc. XII através de um plateia feminina em que podemos descobrir os olhares mais cristalinos e as mais subtis emoções — uma experiência limite do cinema como espelho da dimensão humana.
* CÓPIA CERTIFICADA (2010) — Os limites ao trabalho do cinema no Irão (incluindo a interdição de filmar de um dos seus cineastas: Jafar Panahi), levaram Kiarostami a rodar, por vezes, noutros países — esta é uma fábula homem/mulher, com William Shimmel e Juliette Binoche, em cenários italianos.
* LIKE SOMEONE IN LOVE (2012) — Mais uma viagem ao estrangeiro: desta vez no Japão, Kiarostami encena a inesperada coexistência de uma jovem que se prostitui com um velho viúvo, revelando as nuances do desejo humano muito para além de qualquer evidência banalmente sexual.
Também poeta, pintor e fotógrafo, Kiarostami deixa uma obra prodigiosa que faz a síntese admirável de questões centrais da modernidade cinematográfica, a começar pela possibilidade de conduzir uma intervenção artística que, sendo um olhar sobre o mundo, exista também como uma nova forma de habitar esse mesmo mundo.
Para além da Palma de Ouro de Cannes, a sua obra foi objecto de muitas e variadas consagrações, incluindo: Prémio Roberto Rossellini (1992); Leão de Prata em Veneza com "O Vento Levar-nos-á" (1999); Leopardo de Honra no Festival de Locarno (2005); Prémio Henri Langlois (2006); Medalha de Ouro do Japão (2013).