2 Mar 2018 17:39
Costumava levar baratas para a sala de aula e fez a sua primeira curta-metragem na escola, a história de um monstro gelatinoso: muito antes de se tornar no realizador de "A Forma da Água", com 13 nomeações para os Óscares, Guillermo del Toro já estava fascinado por monstros e cinema.
Os professores e amigos em Guadalajara, a sua cidade natal no oeste do México, lembram-se de um aluno atípico com uma criatividade desenfreada e propensão para criaturas estranhas, inadaptados.
"Nós já podíamos adivinhar a sua imaginação, a sua maneira fantástica de representar a realidade", diz Anne Marie Meier, crítica cinematográfica suíça que conheceu Del Toro quando este tinha 16 anos, durante um atelier de escrita de argumentos que ela dirigiu.
"Era apaixonado por insetos", diz Meier enquanto ri. "Organizou um concurso com os amigos para verem qual deles traria a maior barata de Guadalajara". Às vezes, chegava à aula e dizia: "Encontrei uma com sete cm!"
Devorou tudo o que fazia parte da cultura popular.
"Ele lê banda desenhada, desenhou romances gráficos e passava o tempo no cinema", lembra.
"A Forma da Água" conta a história de uma empregada de limpeza muda que se apaixona por uma estranha criatura anfíbia mantida em cativeiro num centro secreto de pesquisa do governo dos EUA.
O filme compete este domingo para o Oscar de melhor filme e melhor realizador.
O fotógrafo Mariano Aparicio lembra-se perfeitamente da curta-metragem "Nightmare" (Pesadelo) que realizaram juntos com 17 anos, no formato Super 8. "Foi totalmente absurdo, mas muito divertido de fazer", disse ele à AFP, "era como um monstro gelatinoso que saiu da casa de banho a correr pela nossa escola". Fizeram o filme juntos, revezando-se atrás da câmera. Mas a história era de Del Toro.
"Tivemos de enviar o filme para ser revelado nos EUA, foi uma espera insuportável e depois usámos um aparelho especial para o montar", explica o fotógrafo.
Depois de "Nightmare", Del Toro roda "Matilde", um filme de terror que ocorre na casa da sua avó. Este filme já contém a sua marca registada, uma mistura de imagens sobrenaturais e de devoção católica que o marcaram durante a infância. A mãe de Del Toro, Guadalupe, era a protagonista: uma mulher numa cadeira de rodas engolida por uma sinistra fenda na parede. Voltará a aparecer num dos seus filmes já como profissional "Geometria" (1987), tal como o seu pai.
Guillermo del Toro, de 53 anos, vem de um mundo alimentado pelos terrores e maravilhas dos contos de fadas. Quando era pequeno, o pai ganhou a lotaria e investiu a nova fortuna num um império de concessionárias de automóveis. Ainda em criança, Guillermo começou a construir um mundo fantástico na majestosa residência da família, enchendo as paredes do seu quarto com imagens de alienígenas e monstros.
Mas, como em muitos dos seus filmes, os maiores monstros da história são os humanos, especialmente as pessoas que lhe raptaram o pai em 1998, quando o realizador começou a ser conhecido em Hollywood.
A terrível provação terminou graças ao seu amigo James Cameron, que o ajudou a pagar o resgate de um milhão de dólares. Desde então, Del Toro mudou a família para os Estados Unidos. Hoje, divide o seu tempo entre Los Angeles e Toronto. "Mas basicamente, ele ainda é mexicano", diz Meier. "Todos os protagonistas têm uma fraqueza. (…) É típico do cinema mexicano", explica ela.
Apesar do sucesso, Del Toro permaneceu o mesmo, doce, engraçado e malicioso, dizem os amigos. Sempre quis fazer apenas uma coisa: filmes.
Leonardo Garcia Tsao, crítico mexicano, conheceu Del Toro quando ele tinha vinte anos. Numa edição do Festival de Cannes, Garcia Tsao viu-se num quarto de hotel ao lado de um vizinho horrivelmente barulhento que estava constantemente a ver televisão em pleno volume.
O jornalista bateu incansavelmente na parede, mas nada. "Na manhã seguinte, abri a porta e era ele", ri-se. "O Guillermo era o meu vizinho ruidoso".