27 Nov 2018 3:49
Na memória da obra de Bernardo Bertolucci (1941-2018), referências como "O Último Tango em Paris" (1972) ou "O Último Imperador" (1986) podem bloquear a compreensão da pluralidade da sua trajectória criativa. Não que esses filmes sejam secundários, muito menos dispensáveis. O certo é que perpassa pela criatividade do realizador uma desencantada ternura pelas gerações mais jovens que, mais do que nunca, importa sublinhar.
Tal como os seus mestres da "Nouvelle Vague", a começar por Jean-Luc Godard, Bertolucci foi sempre um cineasta apostado em lidar com as alegrias, perplexidades e medos dos jovens (aliás, tal como o seu companheiro de geração Marco Bellocchio). Em jogo estão as clivagens — e também as linhas de comunicação — entre o Velho e o Novo. Aqui ficam três exemplos emblemáticos:
* ANTES DA REVOLUÇÃO (1964): a agilidade da câmara e os contrastes dos espaços e tempos narrativos estão ao serviço de uma história em que, subitamente, a luta de classes se transfigura num labirinto de corpos e afectos — por certo um dos grandes filmes europeus da primeira metade da década de 60.
* A ESTRATÉGIA DA ARANHA (1970): centrado numa magnífica interpretação de Giulio Brogi, esta é a odisseia de um homem que regressa às origens rurais para tentar desvendar as condições em que ocorreu a morte do seu pai: o resultado é uma crónica tão desencantada quanto sensual; expondo temas e fantasmas da Itália profunda.
* OS SONHADORES (2003): um dos mais belos, e também mais subtis, filmes que já se fizeram sobre as convulsões de Maio 68 em França. Michael Pitt, Eva Green e Louis Garrel surgem como emanações carnais de um tempo de todas as interrogações e de experimentação de todas as utopias — subtil, comovente, anti-panfletário.
Isto sem esquecer o belíssimo "Eu e Tu", revelado, extra-competição, no Festival de Cannes de 2012. A partir da história de um rapaz e uma rapariga, irmãos, vivendo à margem do universo dos pais, Bertolucci filma o tema mais difícil (e também menos popular) que a mitologia corrente da juventude tende a recalcar. A saber: a solidão. É um filme algo esquecido, que importa (re)descobrir, até porque nos ajuda a repensar o alcance simbólico do trabalho do seu autor — foi a sua derradeira longa-metragem.