Convidada para acompanhar as ações do movimento P.A.I.N (Prescription Addiction Intervention Now), criado pela artista Nan Goldin, a cineasta Laura Poitras acabou rendida às ideias da fotografa. As conversas de preparação do filme assumiram um tom íntimo e confessional, nas quais a artista recorda o passado, a família, o trabalho e os amigos que entretanto perdeu.
Assim nasce o documentário “Toda a Beleza e a Carnificina” realizado por Laura Poitras, sobre a obra, a vida e as lutas de Nan Goldin. O filme é também o que resulta da visão de duas artistas.
Na conferência de imprensa do Festival de Veneza, onde o filme recebeu o Leão de Ouro, Nan Goldin admitiu a estranheza de partilhar uma obra com uma autora de cariz político como é Laura Poitras, mas a arte entre ambas acabou por desfazer os receios: “A minha preocupação com a Laura, era que eu não tinha segredos de estado para partilhar. Não era importante o suficiente. Ela não queria fazer uma biografia de artista, mas eu estava a preparar uma exposição em Londres. Ela começou a editar o meu trabalho de alguma forma. Somos parecidas, não conseguimos ver um artista a trabalhar sem dar a nossa opinião. Isso foi muito poderoso. A resposta dela foi importante e eu comecei a confiar nela cada vez mais. Revelei coisas muito profundas porque ela tinha uma forma de me fazer perguntas. Falei de coisas muito dolorosas, e acho que nunca pensei em quem ia vê-las.
O filme começa por registar as iniciativas do colectivo P.A.I.N, criado por Nan Goldin para contestar a família Sackler e a lavagem do dinheiro conseguido com medicamentos opiáceos, feita através de doações a alguns dos maiores museus do mundo.
Nan Goldin tem um percurso artístico que passa por muitos destes espaços, mas a batalha contra os Sackler tem carácter pessoal para a fotografa que perdeu a irmã, os amigos, e quase que se perdeu também.
“Acho que todo o meu trabalho desde o inicio tem sido sobre o estigma e como combatê-lo. A começar pelas diferentes sexualidades e diversidade de género no inicio dos anos 70. Sobre as relações e a dificuldades de manter relações entre homens e mulheres. Depois a crise da Sida e ao longo dos anos, as doenças mentais. Os internamentos, a auto mutilação e claro as pessoas que consumem drogas e a crise do ópio. Estes são estigmas que marcam o meu trabalho”, afirma a artista.
Combater os estigmas, dar visibilidade ao que está na sombra, desafiar os poderes e lutar pelo justo. As batalhas de Goldin encontraram eco no cinema de Laura Poitras, a jornalista que deu voz a Edward Snowden e que assinou o documentário “Citizenfour” premiado com um óscar.
No caso de Goldin, a cineasta considera que não foi difícil encontrar a afirmação política na obra da fotografa, que é um exemplo inspirador: “…este filme é um desafio para todos os artistas, ou para quem tem posições de poder, se usam ou não esse poder. Isso foi o que me atraiu para este filme", afirma Poitras.
"Temos uma artista lendária que escolheu arriscar a sua posição no mundo da arte para expor a corrupção e a filantropia tóxica, e o branqueamento e lavagem de dinheiro em museus e instituições. A família Sackler não é caso único a fazer este tipo de filantropia tóxica. E não conheço outro artista que esteja a fazer isto”, conclui a realizadora de “Toda a Beleza e a Carnificina”.
O que começou por ser o registo do trabalho de activistas, transformou-se num filme em que se cruzam constantemente, o lado pessoal e político, a arte e o activismo. O titulo resume estas dualidades e a ideia de arte livre e independente. Nan Goldin e Laura Poitras mostram como a beleza da arte, não deve estar refém da carnificina associada à actividade de algumas grandes corporações.
“Toda a Beleza e a Carnificina” está em exibição nas salas de cinema.