Na Polónia da década de 60 — à procura das memórias perdidas


joao lopes
21 Jul 2014 2:34

Andrzej Munk, Jerzy Kawalerowicz, Roman Polanski, Andrzej Wajda, Jerzy Skolimowski… Nos anos 60, a "nova vaga" da Polónia teve uma representação significativa nas salas portuguesas. Será que podemos dizer o mesmo dos nomes marcantes da história mais recente do cinema polaco. Krzysztof Zanussi? Krzysztof Kieślowski? Sim, em parte. Ao mesmo tempo, não podemos deixar de sentir que esta é uma das cinematografias que continuamos a (des)conhecer de forma irregular.

Daí, sem dúvida, o significado especial da estreia de "Ida", de Pawel Pawlikowski. Desde logo, porque há nele uma emoção muito particular, centrada na demanda da personagem referida no título, empenhada em saber o que aconteceu à sua família judaica durante a guerra; depois, porque "Ida" confirma que existe, de facto, uma tendência plural — tanto em termos geográficos como estéticos — no sentido de revisitar a Segunda Guerra Mundial para além das regras clássicas do "filme-de-guerra" ("Lore", de Cate Shortland, e "The Monuments Men/Os Caçadores de Tesouros", de George Clooney, podem ser excelentes exemplos).
A história de Ida  (Agata Trzebuchowska) é, afinal, a saga de um ser humano — e, por extensão, toda uma nação — em conflito com o seu próprio passado. Na companhia da tia Wanda (Agata Kulesza), Ida parte à descoberta do labirinto de factos e memórias que ajude a explicar o facto de ter sido entregue, ainda criança, a um convento. Mais do que isso: para Ida, trata-se de perceber como é que a máquina de morte montada pelos nazis atingiu a sua família.

Nada é simples nem linear neste processo. A situação da acção na década de 60 acaba por introduzir uma componente duplamente perturbante: não só o passado envolve coisas terríveis; o presente de uma sociedade comunista gerida por uma brutal frieza normativa é também determinante na aventura cognitiva de Ida e Wanda, por assim dizer à deriva numa paisagem de débeis sinais de calor humano.
Pawlikowski é um austero realista. E não apenas porque filma "Ida" em belíssimas imagens a preto e branco (da responsabilidade de dois directores de fotografia: Lukasz Zal e Ryszard Lenczewski). Sobretudo porque a sua visão da história resiste a dissolver as singularidades individuais nas forças colectivas, para mais cruzando a reconstrução "abstracta" do passado com os sinais muito vivos da revelação da sexualidade. Em resumo: vale a pena (re)descobrirmos o cinema que vem da Polónia.

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