joao lopes
21 Ago 2014 0:59
De que falamos quando falamos de produção industrial europeia?… Há um lugar-comum muito velho (e também muito persistente) que insiste em promover a ideia de que a grande sofisticação tecnológica é um "exclusivo" dos estúdios made in USA, limitando-se os europeus a fazer cópias mais ou menos toscas dos respectivos modelos…
Escusado será dizer que não se trata de promover os maniqueísmos que tendem a reduzir tudo a oposições simplistas — importando não esquecer que muitas das mais gigantescas produções americanas são, no essencial, de fabrico europeu. Além de que, convém também lembrar, nenhum filme é "melhor" ou "pior" por causa dos milhões ou tostões que nele se gastaram. Sem esquecer ainda que, de facto, há muitos filmes de orçamento médio ou reduzido feitos em contexto americano, do mesmo modo que há gigantescas produções geradas na Europa.
Por tudo isso, vale a pena referir que "Lucy", o mais recente filme do francês Luc Besson, é, precisamente, uma aposta gigantesca em termos de produção — a maior já gerada pelo seu estúdio, EuropaCorp, sediado em Paris —, curiosamente centrado numa estrela americana: Scarlett Johansson.
Aliás, tudo isso se torna ainda mais interessante, tendo em conta que "Lucy" tenta, por assim dizer, extrapolar as convenções de espectáculo que convoca, surpreendendo o espectador através de uma derivação aventurosa que tem tanto de "científico" como de especulativo.
Em termos simples, estamos perante a história de uma jovem, Lucy (Johansson), que se vê envolvida numa operação de tráfico de droga, acabando por ser compelida a funcionar como "mula", transportando no seu abdómen uma substância cujos efeitos ela própria desconhece… Quando, devido a uma pancada agressiva, tal substância começa a circular pelo seu corpo, o seu cérebro começa a ampliar os seus poderes muito para além de qualquer limite humanamente conhecido.
O que confere ao filme uma eficácia perturbante é, não apenas a lógica de thriller que sabe manter, mas também o facto de, ainda que de forma discreta e até irónica, lançar algumas interrogações que não podemos dissociar do nosso presente civilizacional. Por exemplo: até que ponto a manipulação da vontade humana pode ser desenvolvida? Ou ainda: será que o desenvolvimento do cérebro humano segue a mesma lógica do mundo dos computadores?
O impacto do filme não pode ser dissociado daquilo que é a sua ideia central de casting. Trata-se, afinal, de entregar a uma mulher um papel de "herói-de-acção" que, segundo as convenções mais automáticas ou misógenas, só poderia pertencer a um homem… Johansson sabe ocupar esse lugar com agilidade e eficácia dramática; Besson consegue um filme que tem tanto de exaltação das matrizes correntes do espectáculo, como de crítica metódica do seu academismo.