25 Mai 2024
Aos 53 anos, o cineasta Sean Baker foi galardoado com a Palma de Ouro, no sábado, por “Anora”, um thriller passado em Nova Iorque, dos bairros pobres às vivendas de luxo dos oligarcas russos, e que anuncia o renascimento do cinema independente americano.
“Este filme é magnífico, cheio de humanidade (…) Partiu-nos o coração”, declarou a presidente do júri e realizadora de “Barbie”, Greta Gerwig, antes de entregar o prémio.
No seu discurso, Sean Baker fez um apelo às salas de cinema: “O mundo precisa de se lembrar que ver um filme no telemóvel ou em casa não é a forma de ver filmes”. “No cinema partilhamos a tristeza, o medo e o riso”, insistiu. Dedicou também a vitória “a todos os trabalhadores do sexo, do passado, presente e futuro”, agradecendo igualmente à estrela do filme, Mikey Madison, bem como à sua mulher e produtora.
Um filme que jamais carrega no pedal do travão, “Anora” começa como um conto de fadas, versão Cinderela em 2024, e torna-se dramático, antes de evoluir para sequências francamente cómicas.
Anora (Mikey Madison) é acompanhante numa discoteca. Uma noite, Vanya (Mark Eydelshteyn), o filho de um rico oligarca russo, abre a porta do estabelecimento. Ela sabe um pouco de russo: a avó, imigrante nos Estados Unidos, nunca aprendeu inglês. É-lhe apresentado o cliente. Conseguiu obter o número dele. Encontram-se de novo.
Anora descobre um mundo que não sabe o que fazer com tanto dinheiro, uma vida de diversão e despreocupação. Os pais de Vanya ficaram na Rússia em negócios, confiando ao padre da igreja ortodoxa local a tarefa de o vigiar. Mas quando parece que a relação entre Anora e Vanya está a ficar séria, as coisas saem dos eixos.
Mafiosos, viagens à comunidade russófona de Coney Island, corridas noturnas por Nova Iorque, um guarda-costas que se parece com Robert De Niro, o filme rebobina eficazmente os géneros clássicos do cinema americano e retrata o outro lado do sonho americano.
No entanto, surpreende ao seguir caminhos inesperados e ao destacar, Anora, que se mantém firme e chega a ridicularizar aquele mundo de homens corrompidos pelo dinheiro. Dos clérigos aos pequenos criminosos, passando pelos ultra-ricos, todos são culpados.
Depois de “Tangerine” e “The Florida Project”, Sean Baker confirma o seu amor por personagens marginais, cheias de humanidade, agora, com o valor acrescido de uma Palma de Ouro.
Restante palmarés com Rasoulof, Kapadia e Gomes
O Grande Prémio, o segundo galardão mais importante depois da Palma de Ouro, foi atribuído a “All We Imagine As Light”, da cineasta Payal Kapadia, o primeiro filme indiano em competição em 30 anos, sobre duas mulheres que partilham um apartamento e os desafios que enfrentam numa sociedade dominada pelos homens.
Mohammad Rasoulof, que esteve em Cannes duas semanas após se ter exilado, recebeu um Prémio Especial por “The Seed of the Sacred Fig”, sobre um oficial de justiça iraniano que se torna cada vez mais controlador e paranoico à medida que os protestos começam a aumentar em 2022.
“Emilia Perez”, um musical sobre um chefe de cartel mexicano que transita de homem para mulher, foi duplamente distinguido. O realizador do filme, Jacques Audiard, recebeu o Prémio do Júri no palco, enquanto o prémio de Melhor Atriz foi partilhado entre as quatro protagonistas, Zoe Saldana, Selena Gomez, Karla Sofia Gascon e Adriana Paz.
Jesse Plemons foi escolhido como Melhor Ator por três papéis diferentes – um polícia em dificuldades, um membro de um culto e um homem cujas ações são controladas pelo patrão – no tríptico absurdo de Yorgos Lanthimos, “Kinds of Kindness”.
O prémio para o Melhor Argumento foi atribuído a “The Substance”, um filme de terror liderado por Demi Moore sobre os perigos da juventude e da beleza, que a realizadora Coralie Fargeat disse esperar que ajude a mudar os padrões estabelecidos para as mulheres.
Por fim, o português Miguel Gomes ganhou o prémio de Melhor Realização por “Grand Tour”, uma viagem eclética pela Ásia de um funcionário público britânico e da noiva que o persegue.
Fotos: Valerie Hache AFP