25 Mai 2019 1:44
Contrariando uma certa "tradição", os italianos não foram, este ano, uma presença muito forte no Festival de Cannes. "Il Traditore", de Marco Bellocchio, é a excepção que confirma a regra — e o mínimo que se pode dizer é que o mestre clássico de títulos como "Em Nome do Pai" (1971) ou "Bom Dia, Noite" (2003) continua em forma (recorde-se que "Sonhos Cor de Rosa", de 2016, é a sua anterior longa-metragem).
O traidor a que o título se refere é Tommaso Buscetta (1928-2000), membro da Cosa Nostra que, em meados dos anos 80, decidiu distanciar-se daquela organização criminosa, denunciando os responsáveis por muitos assassinatos cometidos pelos seus membros. De tal modo que a sua situação envolveu um ziguezague geográfico que, da Sicília, o levou ao Brasil e aos EUA.
O mais surpreendente no filme de Bellocchio é a sua contundência factual, tecida de metódica distanciação. Assim, "Il Traditore" apresenta uma estrutura narrativa que, numa primeira fase, quase poderíamos definir como de inquérito jornalístico: a acumulação de factos (e trata-se de uma verdadeira e atribulada odisseia) vai instalando uma dimensão genuinamente trágica em que verdade e mentira, fidelidade e traição de cruzam de modo perturbante.
Para além da sua subtil gestão de tempo(s) e espaço(s), Bellocchio continua a ser um impecável director de actores. Importa destacar, obviamente, a composição de Pierfrancesco Favino na personagem de Buscetta — ou como a prática do crime pode ser retratada também através das convulsões morais que a habitam.