13 Nov 2024
Depois de ter feito filmes políticos, como “A Lei do Mercado” e “Em Guerra”, o cineasta Stéphane Brizé deixa-se guiar pela nostalgia e pelo sentimento de solidão e realiza o drama romântico ‘’A Vida entre Nós’’:
Tenho feito uma série de filmes políticos nos últimos anos, mas agora regresso com um filme sobre um homem e uma mulher que não estão a questionar o mundo. Eles estão a questionar coisas muito pessoais. É sobre um homem e uma mulher que se amaram no passado. Separaram-se e agora, 15 anos depois encontram-se num ponto a que tinham chegado quando se tinham separaram. São muitas as perguntas que surgem e são perguntas que todos fazem: Estamos no sítio certo? Atrevemo-nos a fazer as coisas certas? Abrimos as portas certas? Será que o que estamos a fazer faz sentido? Estas são perguntas que todos nós fazemos a nós próprios.
‘’A Vida Entre Nós’’ é a décima longa-metragem de Stéphane Brizé. Reconhece que apesar do afastamento das questões sociais e políticas, o sentimento dominante é o mesmo de todas as personagens principais dos outros filmes: a desilusão perante a compreensão do mundo, uma experiência vivida pelo próprio cineasta:
Fiz três filmes políticos e a adaptação de um romance de Maupassant, que são de facto filmes sobre a desilusão. As minhas personagens vivem todas a desilusão. Enquanto escrevia estes filmes, tive a mesma experiência. Fui afetado por isso porque faço filmes para compreender melhor o nosso mundo, o nosso mundo interior enquanto homens e mulheres. E depois, a forma como somos afetados pelo mundo, como nos movemos neste mundo e como este mundo nos magoa. Fazer estes filmes deu-me esse conhecimento. Neste caso, está lá a desilusão. Todas as minhas personagens acreditaram em algo e ficaram desiludidas com isso. E tive essa experiência quando escrevi os filmes, quando os filmei, quando misturei o material. Vivi essa experiência.
O filme ‘’A Vida entre nós’’ foi pensado durante a pandemia de Covid 19. A experiência vivida durante o confinamento permitiu a Stéphane Brizé refletir sobre o ser humano e sobre as crises existenciais. Para o cineasta francês, a personagem principal é um ator no limite de exaustão psicológica, que atravessa uma crise interna, sem disso ter consciência:
Para além da Covid, que chega nesse momento, há uma falta de ar, um verdadeiro sufoco psicológico. A personagem está a passar por isso, mas não tem consciência. Nem eu me apercebi quando estava a escrever. Agora que tenho de pôr em palavras a razão pela qual estou a fazer este filme, digo-vos do que se trata. A personagem é atormentada por questões existenciais. Somos feitos de coisas muito íntimas e de coisas muito políticas. Somos feitos de raiva social e da dor da nossa própria história. Pessoalmente, todas estas coisas se juntaram em alturas diferentes da minha vida.
Stéphane Brizé justifica a escolha da profissão de ator para a personagem interpretada por Guillaume Canet. O ator é uma alegoria da condição humana:
Não há nenhum ser no mundo que me toque mais do que um ator. Acho que os atores são uma alegoria da nossa condição de seres humanos. Acho que um ator é heróico e totalmente irrisório. É heroico e, ao mesmo tempo, não serve para nada. Por outras palavras, se um ator não faz um filme, ninguém quer saber. Mas se as pessoas que recolhem o lixo não aparecem durante três dias, isso é um problema real. Penso que o ator nos representa enquanto seres humanos. Porque ele é heróico, porque chega ao palco para fazer o seu trabalho, para dar conta da nossa condição de seres humanos, mas as suas lágrimas tornam-se as nossas lágrimas, os seus entusiasmos tornam-se os nossos entusiasmos, ou seja, ele entrega-se para nos representar. Nós, seres humanos, somos heróicos e irrisórios, ou seja, o facto de vir ao mundo, passar pela vida, é heróico.
Em ‘’A Vida entre Nós’’ Mathieu é um ator famoso que vive em Paris e regressa à cidade onde nasceu. O reencontro com Alice, a paixão da juventude, traz ao de cima as questões existenciais que o atormentam. Guillaume Canet tem o papel de Mathieu, o ator francês considera que é uma personagem comovente, é um ator famoso que vive o dilema de ter de escolher entre ter razão ou ser feliz:
Acredito muito numa expressão que diz que, na vida, tem se de decidir ser feliz ou ter razão. Mas não se pode ter as duas coisas. Penso que este é um homem que decidiu, durante muito tempo, tentar ter razão. Quando de repente pára e faz uma pequena pausa no trabalho, percebe que nada está a correr bem. Acho que é uma personagem muito comovente. Temos de escolher entre ter razão e ser felizes. Isso é justo. E particularmente num casal. Quando estamos numa relação e queremos sempre discutir sobre as coisas porque queremos ter a última palavra e queremos ter razão, apercebemo-nos de que, por vezes, não interessa, não importa. Podemos dar a razão ao outro e dizer que está tudo bem.
O guião de ‘’A Vida Entre Nós’’ sensibilizou muito Guillaume Canet. Apesar do papel, não ter sido escrito a pensar nele, o ator francês Guillaume Canet identifica-se com algumas situações vividas pela personagem:
O que posso sentir como próximo de mim é o meu comportamento com as pessoas que se aproximam de mim e me pedem autógrafos ou ‘selfies’ em alturas que não são necessariamente as mais adequadas. Acontece muito e é verdade que reajo sempre um pouco assim, como a personagem do filme. De facto, quando o li, gostei da personagem porque o achei respeitoso, amigável e não desagradável.
Tive a impressão de que ele era como eu. Ele está numa fase da sua vida em que sofre por não ser muito feliz. Apercebe-se de que pode ter sido muito duro com esta mulher, sem ter noção, numa altura da sua vida em que tudo lhe corria bem e em que pensava muito na carreira, na fama, e deixando-a um pouco de lado, de facto. Não sei, há uma sensibilidade nesta personagem que poderia ser próxima de mim, mas não é de todo a minha vida nem nada. Ele [Brizé] não a escreveu para mim.
O filme ‘’A Vida Entre Nós’’ é uma história de amor melancólica, de encontros e desencontros entre mágoas e alegrias.