23 Fev 2021 19:36

Nas entrevistas de promoção a "Allen v. Farrow", os cineastas Amy Ziering e Kirby Dick foram claros quanto aos seus objetivos. Tratava-se de dar voz a Dylan e Mia Farrow, de equilibrar a balança a favor das vítimas após terem sido "abafadas pela máquina de relações públicas de Allen" durante 30 anos.

Woody Allen, escritor e cineasta, é acusado de abusar sexualmente de Dylan, na altura com sete anos e uma de duas crianças que adotara com Mia Farrow, a sua companheira desde 1980 (o casal nunca chegou a casar e nem sequer viviam juntos). Allen e Farrow separaram-se em 1992 e o alegado abuso a Dylan terá ocorrido meses após Mia ter descoberto que Allen iniciara uma relação com Soon-Yi Previn (na altura com 21 anos), 35 anos mais nova do que ele e filha adotiva do anterior casamento de Mia.

O documentário em quatro episódios, estreado na HBO a 21 de fevereiro, e do qual apenas a primeira parte foi emitida até agora, resulta de três anos de investigação em segredo, conduzida pela produtora Amy Herdy, que ouviu testemunhos inéditos e consultou documentação dos tribunais e relatórios da polícia. Aponta o foco para os argumentos apresentados por Mia, Dylan e Ronan e percorre os capítulos do litígio entre as duas partes, desde a luta pela custódia dos filhos, ao escândalo do casamento de Allen com a enteada, à acusação de abuso sexual a Dylan.

Entre os documentos inéditos, está o vídeo onde Dylan relata o abuso, filmado pouco tempo após os alegados factos e que a defesa de Allen desacredita – citando relatórios médicos e dos serviços sociais onde se afirma que a criança terá sido ensaiada por Mia Farrow – bem como excertos filmados às escondidas por Mia e conversas com Allen gravadas sem conhecimento do realizador. 
A isto, juntam-se depoimentos de Mia, Dylan e Ronan, e testemunhos de amigos, peritos, investigadores e procuradores. Ronan exemplifica a forma como Allen tentou manipular e dividir a família, oferecendo-se para lhe pagar os estudos universitários se deixasse de apoiar a mãe e a irmã. São apresentados extensos argumentos que indiciam o interesse de Allen por jovens e é posto em causa o relatório da clínica especializada em abusos sexuais a crianças que entrevistou Dylan em nove ocasiões, no espaço de nove meses, e que não considerou credível que ela tenha sido vítima dos atos que descreveu – o documentário faz notar que os documentos dessas entrevistas foram destruídos.

Os realizadores, Amy Ziering e Kirby Dick, passaram a última década mergulhados no tema dos abusos sexuais. Primeiro, abordando as violações de mulheres nas forças armadas norte-americanas ("The Invisible War", 2012, nomeado para o Oscar) e depois nos campus universitários ("The Hunting Ground", 2015). O seu trabalho anterior, "On the Record", expunha Russell Simmons – figura importante da indústria musical norte-americana – como agressor sexual, e abordava a falta de representatividade de mulheres negras agredidas por homens negros no movimento #MeToo. O filme ficou envolvido em polémica após Oprah Winfrey, produtora executiva, ter abandonado o projeto pouco antes da estreia mundial em Sundance citando "divergências criativas", tendo mais tarde acrescentado que o filme sofria de várias "inconsistências".

Allen e Soon-Yin Previn reagem

Numa declaração tornada pública no domingo, Woody Allen e Soon-Yin Previn afirmam que o documentário "não teve qualquer interesse pela verdade" e qualificou-o de "ataque pessoal crivado de falsidades". Acusa Ziering e Dick de anos de "colaboração sub-reptícia" com a família Farrow e que Allen e Soon-Yi só foram contactados para fornecer os seus pontos de vista "há menos de dois meses" tendo-lhes sido dado um prazo de "apenas alguns dias" para responder, tendo, por isso, declinado participar no documentário.

Lembra também as relações entre a HBO e Ronan Farrow, que tem um contrato de produção com o canal, e critica o facto de terem ignorado factos prejudiciais para Mia Farrow como o facto de dois dos seus filhos adotivos se terem suicidado, ou de o seu irmão John ter passado sete anos numa prisão, condenado pela violação de dois rapazes. Condenado inicialmente a 25 de anos, viu a pena reduzida e saiu em liberdade condicional há pouco mais de um ano.


Outra consequência rápida da estreia de "Allen v. Farrow" foi a intenção da Skyhorse Publishing de instaurar um processo por violação do direito de autor aos realizadores do documentário. Segundo a editora da autobiografia de Allen, "Apropos of Nothing", foram usados mais de três minutos de excertos da versão em audiolivro lida por Allen sem autorização. Os criadores do documentário justificaram o uso dos excertos ao abrigo da cláusula de "utilização livre" criada para permitir a colocação de pequenas partes de obras em notícias, ou críticas.

A autobiografia de Allen esteve para ser publicada por uma empresa do Grupo Hachette, mas pressão exercida por Ronan Farrow – que também tem um contrato com o mesmo grupo – acabou por levar ao seu cancelamento. Pouco depois, a Skyhorse adquiriu os direitos e publicou o livro em março de 2020.

  • CINEMAX
  • 23 Fev 2021 19:36

+ conteúdos