19 Set 2019 19:20
Quando falamos da obra do espanhol Pedro Almodóvar, é fundamental ter em conta os seus contrastes emocionais e narrativos. Assim, o seu filme mais recente, “Dor e Glória”, é um exemplo admirável de genuíno dramatismo, ou melhor, de ligação à grande tradição melodramática. Mas quando recuamos à primeira fase da sua filmografia (quer dizer, às décadas de 70/80) deparamos com um humor sarcástico, tocado e, num certo sentido, assombrado por divagações românticas — escutemos, por exemplo, Mona Bell.
Apetece dizer que a lendária cantora chilena Monna Bell ainda mais lendária se tornou depois de Almodóvar usar a sua canção “Estaba Escrito” na longa-metragem “Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas Del Montón” — foi no ano de 1980 e o filme impôs-se como assinatura de um genuíno caricaturista que era também um incorrigível romântico. Tudo isso se confirmou e, por assim dizer, explodiu em 1988, com “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”: o humor contrastava com a angústia de “Soy Infeliz”, na voz na mexicana Lola Beltrán.
Vieram, depois, títulos como “Ata-me” (1989), “Kika” (1993) ou ainda “Tudo sobre a Minha Mãe” (1999) — Almodóvar definia-se como um cineasta apostado num intimismo com o seu quê de confessional, ao mesmo tempo pontuando as suas histórias com uma ironia recheada de amargura. A consagração internacional de tudo isso aconteceu, precisamente, com "Tudo sobre a Minha Mãe”, distinguido com o Oscar de melhor filme estrangeiro, em representação da Espanha; três anos mais tarde, “Fala com Ela”, valeu ao próprio Almodóvar um outro Oscar, na categoria de melhor argumento original — com um insólito toque brasileiro…
“Cucurrucucú Paloma” — é outro célebre tema mexicano (e do cinema mexicano) utilizado por Almodóvar em “Fala com Ela”, nesta impecável interpretação de um brasileiro, Caetano Veloso. Dir-se-ia que o cinema de Almodóvar se pode percorrer através destas variações melódicas que são também cúmplices de todo um sistema de ziguezagues narrativos. No novo “Dor e Glória”, ele vai até buscar um clássico da grande Edith Piaf, “La Vie en Rose”, neste caso na voz sensual e enigmática de Grace Jones.