07 Ago 2023
“O cinema cubano será livre ou não será”, disse o ator cubano Luis Alberto Garcia, sob aplausos, na terça-feira, ao receber um prémio no Festival Internacional de Cinema de Gibara, no leste de Cuba.
O ator dedicou o seu prémio à Assembleia de Cineastas Cubanos, composta por cerca de 400 profissionais, que recentemente protestou contra a censura de um documentário intitulado “La Havana de Fito” (A Havana de Fito), que relata a ligação estabelecida com a capital cubana pelo roqueiro argentino Fito Paez, uma celebridade na América Latina, desde os anos 1980.
“Esta é a gota d’água que faltava para toda uma série de problemas e censuras históricas dentro da cultura da revolução cubana”, disse à AFP o cineasta Juan Pin Vilar, de 60 anos.
O caso começou em abril, quando o Ministério da Cultura proibiu a exibição de três documentários, incluindo um de Juan Pin Vilar, num pequeno espaço cultural independente em Havana.
O documentário acabou por ser transmitido na televisão cubana, mas de forma incompleta e sem a autorização do autor, do produtor e do cantor.
Segundo o realizador, a reação das autoridades prendeu-se com uma passagem do filme em que Fito Paez questiona a versão oficial da morte do guerrilheiro revolucionário Camilo Cienfuegos, desaparecido em 1959, e a condenação à morte, em 2003, de três jovens que tinham desviado um barco para emigrar para os Estados Unidos.
A exibição do filme na televisão levou cerca de 600 artistas a assinarem uma declaração denunciando este tipo de “processo (…) que se tornou sistemático” no cinema cubano. Entre os signatários, contam-se o cantor Silvio Rodriguez, o realizador Fernando Pérez e Jorge Perugorría, ator principal do célebre “Morango e Chocolate” (1993).
“Visão moralista”
“A exibição (do filme) na televisão incentiva a pirataria” e “arruína a vida que poderia ter nos festivais internacionais”, disse à AFP Miguel Coyula, um cineasta de 46 anos que diz filmar clandestinamente para evitar a perseguição policial.
Durante dois anos, exibiu em casa o seu filme Corazon Azul (2021), mostrado em vários festivais no estrangeiro, mas ignorado pelas salas de cinema cubanas. “É como se tivéssemos enchido o Chaplin duas vezes”, diz, referindo-se ao principal cinema de Havana.
Foi neste cinema que se realizou, no final de junho, uma reunião inédita entre membros da Assembleia de Cineastas e responsáveis governamentais, incluindo o representante do departamento ideológico do Partido Comunista Cubano (PCC).
As discussões tornaram-se tensas quando Miguel Coyula começou a filmar alguns dos discursos, apesar dos avisos do presidente do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC), Ramon Samada.
“Somos cineastas independentes, estamos dispostos a ser presos porque o nosso trabalho é filmar”, grita Miguel Coyula num vídeo publicado no Youtube.
Poucos dias depois, o diretor do ICAIC foi substituído e as autoridades anunciaram a criação de um grupo de trabalho para dar resposta às preocupações dos profissionais.
A Assembleia de Cineastas, que teve conhecimento da criação deste grupo através da televisão, reagiu declarando não ter recebido qualquer resposta às “questões concretas e sistemáticas de censura e exclusão” e solicitou uma nova reunião.
Numa entrevista ao meio de comunicação independente cubano El Toque, Fito Paez juntou-se à polémica: “Sou amigo do povo cubano (…) Eles não representam o povo cubano”, disse, referindo-se aos funcionários do ministério.
Para Maria Isabel Alonso, especialista em literatura e cultura cubana da Universidade de São José, em Nova Iorque, a polémica é “um sintoma de um problema maior e sistémico: o direito dos criadores à liberdade de expressão artística, em conflito com uma visão moralista e ideológica promovida pelas autoridades”.
Em novembro de 2020, cerca de 300 artistas organizaram uma manifestação sem precedentes para exigir maior liberdade de expressão. O diálogo com o Ministério não deu em nada.