22 Mai 2023 10:57
O Festival de Cannes estendeu a passadeira vermelha no domingo para um Henrique VIII de Inglaterra, interpretado por Jude Law como um rei ciumento e paranóico.
“Firebrand”, de Karim Aïnouz, apresentado em competição, é um fresco que deverá deixar a sua marca majestática na Croisette, graças, nomeadamente, ao desempenho arrebatador de Law.
A dinastia Tudor tem sido uma fonte inesgotável de inspiração para os grandes e pequenos ecrãs, mas poucos evocam, como “Firebrand”, o destino de Catherine Parr, sexta e última esposa do rei.
Como se saísse directamente dos quadros de Hans Holbein, o filme oferece um belo jogo de luz e cor, com frequentes imagens congeladas de Jude Law e Alicia Vikander, que empresta as suas feições a Catherine Parr.
Law surge quase irreconhecível como Henrique VIII, que no final da sua vida se tornou obeso e coxo devido a uma infecção na perna.
O actor consegue, como num conto de fadas sombrio, tornar muito real o Henrique VIII que repudiou duas das suas mulheres (Catarina de Aragão e Ana de Cleves), decapitou outras duas (Ana Bolena e Catarina Howard) e perdeu outra no parto (Jane Seymour).
“Não sabia nada sobre a Casa Tudor, mas foi a personagem de Catarina Parr que me motivou, porque ninguém tinha feito um filme sobre ela. Era sempre sobre as esposas que morriam e não sobre a que sobrevivia, ou sobre o rei, que era um monstro”, disse à AFP o realizador brasileiro Karim Aïnouz.
“Jude Law tentou mesmo personificar o físico de Henrique VIII. Andou durante meses com pesos nas pernas… Depois das filmagens, ficou com as costas doridas por ter imitado o coxear do rei”, conta, acrescentando que o actor também leu cerca de 20 livros sobre o monarca para se apropriar da personagem.
No filme, descrito por Aïnouz como um “hino contra o patriarcado”, Henrique VIII fica furioso quando o bispo Stephen Gardiner consegue convencê-lo de que a rainha está a apoiar activamente a “nova fé”, numa época em que a confissão protestante ganhava terreno em Inglaterra.
“Já passámos por isto antes”, repete, e o filme mostra habilmente como as dúvidas se instalam gradualmente na sua mente.
O resto do elenco é excelente, especialmente Alicia Vikander como uma rainha com a reputação de acalmar o temperamento tempestuoso do rei.
“Era uma mulher extremamente inteligente (…) que sobreviveu a um tirano. Não consigo imaginar como terá sido para ela”, disse à AFP a actriz, conhecida por interpretar um andróide em “Ex Machina”.
A actuação de Jude Law é tão impressionante que as cenas em que o rei “paira” à sua volta ou a olha de forma diferente a marcaram mais do que as cenas de violência.
O filme detalha a sua simpatia por Anne Asqew, uma poetisa protestante condenada à fogueira por heresia. Embora não haja provas históricas, “Firebrand” mostra encontros entre as duas e o claro apoio da Rainha às ideias reformistas, nomeadamente numa cena em que ela é vista a rezar em inglês em vez de latim.
Foi arriscado para um realizador brasileiro de origem argelina fazer um filme sobre a monarquia inglesa? “Quando os americanos fazem um filme sobre Cleópatra com Elizabeth Taylor, não nos colocamos essa questão”, sorri.