12 Mar 2021 0:32
Assim mesmo, sem aviso prévio, em tom de desarmante casualidade: Jean-Luc Godard definiu um limite para concluir o seu trabalho em cinema.
"Estou a acabar a minha vida nos filmes, a minha vida de fazedor de filmes, com dois argumentos e depois direi ‘adeus, cinema’ " — as palavras de Godard surgiram no meio de uma conversa online motivada pelo prémio honorário que lhe foi atribuído pelo IFFK, ou seja, o International Film Festival of Kerala (Índia). Num diálogo de quase hora e meia com o crítico e professor C. S. Venkiteswaran, Godard, com evidente boa disposição, deu a notícia por volta dos 58 minutos de gravação.
Em boa verdade, nem se tratou de uma "notícia". Pelo menos não teve o peso dramático com que, hoje em dia, o mundo é transformado em narrativa potencialmente trágica, seja porque nos confrontamos com a crueza da pandemia, seja porque o jogador de futebol X ou Y veio confessar que, face ao momento difícil da sua equipa, estão todos, coitados, sob grande pressão…
Dir-se-ia mais um capítulo de um filme feito de história(s). Mais exactamente: uma vida que se confunde com a vontade de perguntar que histórias contamos, como as contamos e de que modo as partilhamos — afinal de contas, Godard encerrou, com contundência e esplendor, a modernidade cinematográfica através dessa obra monumental que é "História(s) do Cinema" (1998).
Ou, se assim o entendermos, podemos também dizer que estamos perante um pequeno filme indiano (seria um bom título…), porventura ecoando as lições de Marguerite Duras, ela que nos legou o fascínio de uma intimidade feita de distâncias no esplendor de "India Song" (1975).
Simplifiquemos — Merci, Monsieur Godard. Aos 90 anos (nasceu a 3 de dezembro de 1930, em Paris), ele vem confirmar, com invejável serenidade, aquilo que os seus filmes nos foram ensinando. A saber: que somos prisioneiros do tempo, "somos feitos de sonhos e os sonhos são feitos de nós", como diz Jean-Paul Belmondo em "Pedro, o Louco" (1965).
Para que não percamos a singeleza da notícia, importa registar os dois filmes que Godard anunciou: "Scenario" e "Funny Wars". Brevemente, num cinema perto de si…