13 Dez 2023
A realizadora polaca Agnieszka Holland tem sido uma autora atenta à história europeia e às repercussões sociais dos vários conflitos que marcaram a região, ao longo do tempo. Em “Green Border – Zona de Exclusão” propõe um drama ficcional, sobre a crise dos refugiados na fronteira da Polónia com a Bielorrússia em 2021, antes da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Tal como em filmes anteriores, a cineasta de 75 anos continua a fazer do cinema um espaço de reflexão sobre acontecimentos reais:
“Uma das razões que me levou a fazer este filme agora, são os filmes que fiz para trás. Fiz um filme sobre a Segunda Guerra Mundial e o holocausto. Ou a fome na altura do Estaline, porque tinha a impressão que eram eventos que não terminavam ali, estavam apenas adormecidos. Os perigos do nacionalismo, totalitarismo e a violência enquanto arma para lidar com os problemas, desapareceram durante algum tempo. Deixaram de estar no calendário da Europa, na forma como lidamos com os nossos problemas. Mas acho que não acabaram e podem voltar a qualquer momento.”
“…a crise dos migrantes e refugiados (…) vai mudar o futuro da Europa.”
Filmado a preto e branco, e num registo que parece documental, “Green Border” denuncia a situação dos refugiados expulsos de ambos os lados da fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia. O filme acompanha uma família síria que tenta chegar à Europa, o comportamento dos guardas fronteiriços e o trabalho dos ativistas que tentam ajudar quem chega desamparado e desprotegido.
Para Agnieszka Holland, era importante mostrar a dimensão do problema em várias dimensões:
“Escolhemos uma abordagem épica, em que mostramos vários pontos de vista, porque achamos que somos os primeiros a contar esta história, por isso temos de tentar captá-la em toda a sua complexidade. Fazer justiça e dar voz aqueles que não são ouvidos.”
Em 2021, perante a chegada massiva de refugiados de países como a Síria ou o Afeganistão, os governos da Bielorrússia e da Polónia criaram uma zona de exclusão, que, na prática, torna invisível a situação deplorável em que se encontram os refugiados. Uma zona de acesso vedado à população que ninguém contestou:
“Quanto a zona foi criada (…) foram poucos os que protestaram. E a comunicação social aceitou (…) Acho que a Covid nos levou a submeter a nossa liberdade às autoridades. Se as autoridades estavam a agir para nosso bem, estava certo. Mas nós temos de ter o controlo.”
“Não queríamos que o filme fosse propaganda sobre o que é justo, mas que refletisse onde estamos hoje em dia.”
Na impossibilidade de filmar na zona de exclusão, a cineasta fez “uma ficção sobre coisas que continuam a acontecer nesta altura”, numa Europa que se orgulha de defender os direitos humanos, mas que ao longo da sua história, tem sido palco das maiores atrocidades contra a vida humana.
Os seres humanos são assim, capaz do melhor e do pior, diz a cineasta, defendendo que “tudo depende da forma como as pessoas são usadas pelas autoridades, pelos governos, pelos políticos, pela igreja e pelos comentadores (…) Não queríamos que o filme fosse propaganda sobre o que é justo, mas que refletisse onde estamos hoje em dia. E como as nossas escolhas podem ser conflituosas e difíceis.”
No início dos anos 90, Agnieszka Holland filmou a história real de um judeu que em nome da sobrevivência se junta à juventude Hitleriana. “Europa, Europa” chegou até à nomeação para melhor filme estrangeiro e é um dos títulos de referência no percurso da cineasta. Um filme que retrata a dualidade do velho continente, que é refúgio, mas que pode ser também perigoso.
Na altura, Agnieszka Holland considerava que era preciso relembrar o holocausto para que não se repetisse, agora defende que o cinema deve voltar a ser um meio de denúncia em tempos perigosos:
“Acho que a Europa está a perder as suas convicções. Acho que a Europa tem medo. As pessoas têm medo das mudanças drásticas na nossa zona de conforto. Sei que os movimentos populistas estão a usar este medo de forma cada vez mais eficiente.”
Perante uma Europa incapaz de amparar quem sofre, Agnieszka Holland receia que o futuro não seja muito luminoso:
“… a Europa, o continente da liberdade, democracia e direitos humanos vai desaparecer. Vai transformar-se numa espécie de fortaleza. E as pessoas que tentam chegar ao nosso continente vão ser mortas por nós, europeus.”