Hal Hartley celebra a vida em “Onde Aterrar”
Inspirado num encontro real com um coveiro nova-iorquino, o cineasta reflete sobre o tempo e o sentido da existência e declara que “não há idade para aprender coisas novas”.
O filme “Onde Aterrar” tem como figura central Joseph, um famoso realizador de 65 anos que reflete sobre a vida e a morte. Quer trabalhar num cemitério e, ao mesmo tempo, decide redigir o testamento. Começa então o rumor de que está a morrer. A família e os amigos começam a despedir-se dele.
Não é um filme autobiográfico, mas é um filme pessoal, reconhece o cineasta norte-americano Hal Hartley:
São coisas em que uma pessoa na casa dos 60 anos pensa e não é nada triste, ou mórbido. Pode até ser bastante divertido. Joe, a personagem principal, quer parar para refletir. Quer pensar tanto no futuro como no passado. Está interessado no mundo da sobrinha e na filha do seu amigo. Quer estudar algo novo, o que, para pessoas da idade deles, mais jovens, pode parecer invulgar, mas o Joe está interessado em tudo.
O realizador não considera “Onde Aterrar” um filme triste:
Não é triste. É um reconhecimento de que talvez não tenhamos tanto controle sobre as nossas vidas como gostaríamos. Foi divertido escrever para mostrar como são realmente as amizades.
Conhecido por realizar filmes de humor seco, Hal Hartley diverte-se com o comportamento das personagens conduzidas por um equívoco:
Quando as pessoas acham que o fim está próximo, dizem que não têm mais filtro. Não pensei muito sobre isso neste filme. Apenas me pareceu que, para todas essas personagens, era natural dizerem o que pensam e dizerem-no de maneira coloquial. Eles não são necessariamente intelectuais. Por exemplo, o guitarrista de rock é apenas um guitarrista de rock que, de alguma forma, se tornou marido e pai e sabe que precisa se preocupar com a educação universitária da filha. Achei isso engraçado. Estou sempre à procura deste tipo de contradições.
Um diálogo filosófico entre o protagonista, Joe, e o coveiro no cemitério está no arranque do filme “Onde Aterrar”:
Leonard é o nome da personagem que trata do cemitério, o coveiro. Ele tem uma filosofia de vida e não precisa falar muito sobre isso com ninguém, mas é muito claro. E acho que Joe, que é realizador de cinema, está interessado nessa figura. Então, ele gosta dele, mesmo que seja desafiador, porque não bajula ninguém, não tem conversa fiada. O coveiro foi uma personagem que gostei muito de escrever.
A personagem do coveiro inspira-se numa pessoa real. O filme “Onde Aterrar” é uma adaptação do livro de Hal Hartley, uma reflexão que sentiu necessidade de escrever após se ter cruzado com o coveiro do cemitério próximo da casa onde viveu em Nova Iorque:
Eu morava do outro lado da rua de um cemitério, um dia estava a caminho de mais uma reunião de negócios sobre cinema, que são sempre horríveis, terríveis, enfadonhas e, na maioria das vezes, inúteis. E fiquei ali parado, a observar aquele senhor mais velho a fazer um trabalho com as mãos, a amarrar galhos e a cuidar da natureza. E senti-me pequeno, senti-me insignificante. Achei que estava envolvido num trabalho que não valia a pena, enquanto aquele senhor no cemitério tinha um trabalho sério e até bonito. Guardei esse momento para mim e comecei a escrever um pequeno livro sobre isso. O filme surgiu a partir desse momento. Gosto de escrever e, quando escrevi isto, não tinha a certeza se iria mesmo fazê-lo.
Abordar temas sérios com algum humor e criar diálogos filosóficos são marcas do cinema de Hal Hartley. Com “Onde Aterrar” não pretende passar uma mensagem, mas levar o público a pensar no assunto. O filme é uma celebração da vida e não um filme sobre a morte:
Queria criar uma pequena celebração de que eu gosto nas pessoas, uma canção sobre o que eu gosto nas pessoas em todos os tipos de pessoas diferentes. Eu simplesmente adoro quando as pessoas cometem erros. No filme, todos pensam que o Joe está a morrer, mas ele não está. Ele só quer fazer essa mudança muito simples. Quando eu tinha 20 anos, pensava que, aos 60, já estaria acabado. Aos 50, percebi que estava completamente enganado. Não há idade para se aprender coisas novas.