20 Mai 2023 13:16
Queria contar a história de uma “maldição”. A maldição que se abateu sobre a família de Olfa, uma mãe tunisina confrontada com a radicalização de duas das suas filhas: em Cannes, Kaouther Ben Hania invoca os demónios do terrorismo para melhor os exorcizar.
A realizadora de “La belle et la meute” (2017) e “O Homem Que Vendeu a Pele” (2020) não quis escolher. Nem inteiramente documentário, nem ficção, “Les filles d’Olfa”, a sua longa-metragem candidata à Palma de Ouro, é um objecto híbrido não identificado.
O espectador entra no filme acreditando que se trata de uma espécie de “making-of”.
O making-of do filme é dedicado à história de Olfa Hamrouni, uma mulher tunisina que ganhou notoriedade internacional em 2016 ao tornar pública a radicalização das suas filhas adolescentes, Rahma e Ghofrane. As duas irmãs deixaram a Tunísia para lutar ao lado do Estado Islâmico na Líbia, onde foram detidas e presas.
Ficção? Documentário? Os géneros misturam-se rapidamente. A actriz que interpreta Olfa evolui ao lado da própria Olfa, que a orienta. Duas actrizes que interpretam Rahma e Ghofrane são também dirigidas por Eya Chikhaoui, irmã mais velha das desaparecidas, que representa o seu próprio papel.
Assim se reconstituem cenas da vida quotidiana, da infância à adolescência. Extractos de reportagens televisivas sobre o caso pontuam o filme.
Original na forma, apesar de alguma inadequação, esta quinta longa-metragem da realizadora tunisina, uma das sete mulheres em competição, é também original no conteúdo.
A pouco e pouco, a ambição do filme revela-se. Contar a história das raízes do mal.
Para isso, a realizadora utiliza o íntimo e o político. Conta a história de uma sociedade patriarcal que aniquila as mulheres, ao mesmo tempo que é obcecada por elas. Um fenómeno muitas vezes orquestrado pelas mães.
No plano político, relata a Revolução de Jasmim e a ascensão inexorável dos islamitas. Estes últimos defendem o véu integral? Nada que assuste Olfa, que pensa que é uma forma de “proteger” a honra, e não só, das suas filhas.
Mas quando duas delas se radicalizam, impedindo a mãe de sair sem o véu integral: o que dizer, o que fazer? Esta é a questão do filme.