MÁ EDUCAÇÃO (2004)

Em 2021, Pedro Almodóvar lançou dois films: "A Voz Humana", adaptando a peça de Jean Cocteau, e "Mães Paralelas", drama que ilustra a dimensão mais séria do seu cinema. Entenda-se: mais séria não quer dizer mais interessante ou mais válida. Significa apenas que, num caso como este, não encontramos qualquer contraponto irónico, muito menos cómico, que relativize os dramas encenados. Vale a pena, por isso, recuarmos a 2004, redescobrindo um título menos falado da filmografia de Almodóvar: "Má Educação".

A música de Rossini emerge como um eco, mais do que isso, uma pontuação dramática essencial na história dos dois amigos que se reencontram em 1980, em Madrid, curiosamente tendo por pano de fundo o cinema — um é actor, outro é realizador. O reencontro refaz e, de algum modo, intensifica memórias de um amor homossexual, vivido e reprimido na década de 60, em plena ditadura franquista.

Almodóvar evoca a vida vivida num colégio católico, no ano de 1964, para contar uma história em que toda a sexualidade é objecto de ocultação, ao mesmo tempo que a intriga vai sendo atravessada pelo assombramento de um acto criminoso. O impacto de "Má Educação" é tanto maior quanto o filme evita reduzir a acção a símbolos abstractos, preocupando-se antes em inventariar os sinais mais íntimos de uma história rasgada por dolorosos silêncios. Daí a ironia paradoxal que é ouvirmos o clássico "Moon River", de Henry Mancini, na voz de uma criança.

Como sempre, as matérias musicais desempenham um papel determinada nas convulsões dramáticas encenadas por Almodóvar. Não podemos, claro, esquecer o elenco liderado por Gael García Bernal, expondo a sexualidade de forma franca e descomplexada. Mas é um facto que a música funciona como um comentário que, ora intensifica, ora ironiza, a crueza das situações — incluindo uma exuberante cena de um travesti interpretado, precisamente, por Gael García Bernal; a canção é uma referência mítica: "Quizás, Quizás, Quizás", por Sara Montiel.

• cinemaxeditor

• 3 Jan 2022 0:04